As heresias

Como a palavra heresia está intimamente ligada tanto a religiões quanto a seitas, vamos primeiramente definir o que são religiões, o que são seitas e depois explicar o que são heresias e como surgiu essa denominação.

Embora a maioria dos segmentos religiosos se autodenomine de religião, a rigor, religião é só aquela que tem o seu próprio deus, sua revelação, sua teologia, doutrina e seu próprio dogma. Em outras palavras, o mito cria a religião, a religião cria a teologia, a teologia cria a doutrina e a doutrina cria o dogma.

Assim, cada segmento religioso faz a sua própria teologia, que vai dar origem á uma doutrina que inventa, vê, descreve e entende Deus de forma distinta.

Dentro deste contexto só pode ser considerado como religião, o hinduísmo de Brahma, o judaísmo de Yavé, o cristianismo de Jesus e o islamismo de Alá. Além disso, a religião é a manifestação da crença por meio de doutrina, ritual próprio, preceitos éticos, aceitação de dogmas, obediência aos chefes religiosos e às normas da congregação, coisas que poucas crenças tem.

Seitas, igrejas ou facções são todas as que saíram ou foram formadas a partir de uma religião como a igreja católica e as igrejas evangélicas que saíram do cristianismo, o budismo e o bramanismo que saíram do hinduísmo, os siks e sufistas que saíram do islamismo e os fariseus e zelotas que saíram do judaísmo etc.

A expansão do cristianismo nos primeiros séculos se deu de forma pacífica sobre as comunidades pagãs. Mas como aceitar uma nova doutrina não quer dizer abrir mão de antigas crenças e rituais, em cada região que chegava o cristianismo se amalgamava com os costumes locais fazendo surgir novas seitas mais ou menos cristianizadas.

As fusões do cristianismo com as antigas tradições religiosas de cada povo se expandiram por todo o oriente médio, Grécia e até os confins da Anatólia. O mesmo ocorreu mais tarde no Brasil cujas mesclas afro-cristãs perduram até hoje na umbanda, candomblé e outras.

Das doutrinas que surgiram nos primeiros séculos da era comum, umas influenciaram a formação do cristianismo, algumas criaram novos entendimentos sobre o nascimento e a pessoa de Jesus e outras se propuseram a modificar os postulados teológicos vigentes.

Embora o gnosticismo não seja a rigor uma heresia, não se pode falar sobre heresias sem mencionar a importante contribuição dessa crença na formação do cristianismo. Para podermos entender melhor essa doutrina temos que voltar no tempo há pelo menos trezentos anos antes de Cristo no deserto da Judéia na região do Mar Morto e nas proximidades Rio Nilo no Egito.

Nessas localidades habitaram os Essênios, uma espécie de apóstatas judeus que inconformados com a helenização do judaísmo, resolveram abandonar seu povo e viver a plenitude da pura tradição da Tanak e da sua fé longe da civilização.

Muito bem, mas o que os Essênios têm a ver com o gnosticismo? Calma, calma, mais adiante chegaremos lá. A Gnose é um sistema religioso criado a partir da cabala secreta do judaísmo e mesclado com o hermetismo babilônico, egípcio, sírio e grego, e foi esse sistema religioso místico esotérico que orientou a Comunidade Essênia desde o inicio da Fraternidade.

Com a pregação de Jesus e dos primeiros apóstolos os Essênios assimilaram e abraçaram de imediato a fé cristã, até porque, o próprio Jesus e seu primo João Batista eram essênios. É exatamente por isso que os gnósticos foram, a rigor, os primeiros cristãos, mas como ainda não existia formalmente o cristianismo os cristãos primitivos passaram a ser conhecidos apenas como gnósticos devido a crença que seguiam e pregavam.

A partir dos ensinamentos de Jesus os gnósticos foram escrevendo seus próprios evangelhos e compilando-os num volumoso compendio conhecido como Pistis Sophia que é basicamente a descrição objetiva da vida do homem Jesus, seu relacionamento com Maria Madalena, com seus irmãos e irmãs, sua pregação e os fins da sua doutrina que orientou toda a doutrina cristã primitiva.

Já que estamos falando da vida do homem Jesus, é importante lembrar que esse lado homem da vida do Mestre é citado por Dan Brown no seu livro O Código Da Vinci. Por José Saramago no seu livro O Evangelho segundo Jesus Cristo. Por Margaret Starbird no seu livro Maria Madalena a noiva no exílio. No meu livro O herege e por J.J. Benitez e muitos outros escritores.

Mas deixemos esses autores de lado e passemos a nos ocupar com as heresias propriamente ditas. Escrita originalmente em copta e posteriormente traduzida para grego a original Pistis Sophia é uma relíquia venerada até hoje pelas diversas confrarias gnósticas que se sucederam ao longo da história e é considerada a bíblia dos gnósticos.

A grande diferença dos evangelhos contidos na Pistis Sophia com os evangelhos sinóticos ou canônicos, é que os evangelhos gnósticos foram sendo escritos ao mesmo tempo em que os fatos iam se sucedendo, enquanto que os evangelhos canônicos foram escritos pelo menos cinqüenta anos depois da morte de Cristo e por pessoas que nem sequer conheceram ou conviveram com Jesus.

Além disso, a Pistis Sophia contém mais de quarenta evangelhos além dos os quatro evangelhos conhecidos. Nessa obra estão todos os diálogos mantidos e ditados por Jesus aos seus apóstolos durante a sua pregação e foi escrita por apóstolos e discípulos que acompanharam os passos do Mestre, como Tomé, Maria Madalena, Judas, Pedro, Tomas, Tiago, Felipe e muitos outros.

Durante a perseguição do Império Romano, temendo que toda a sua história e a suas obras fossem destruídas, os essênios colocaram sua ampla biblioteca em diversos vasos de cerâmica, impermeabilizaram a boca com betume e as enterraram em diversos lugares nas areias ou esconderam em cavernas próximas as suas comunidades. Nos anos de 1947 e 1950 essas relíquias foram descobertas nas regiões de Nag Hamadi e nas cavernas de Qumran, oportunidade em que e o mundo de, boca aberta, ficou sabendo da verdadeira história de Jesus e da própria história do cristianismo que a bíblia não havia revelado.

Embora sempre omitida pelos teólogos e pregadores cristãos, sem dúvida alguma, a doutrina do gnosticismo, foi uma das mais importantes crenças que tanto influenciou a formação do cristianismo primitivo, quanto assimilou totalmente a doutrina deixada por Jesus. Essa omissão dos primeiros líderes cristãos sobre o gnosticismo deve-se ao fato de que o Jesus humano e real dos gnósticos não era conveniente para a igreja e muito menos para o império romano que queria um Jesus divino para se reabilitar da condenação e morte do Yeshua diante do notável crescimento do cristianismo.

É bom que se diga que no ano de 325 no Concilio de Nicéia, que é objeto de outro artigo nosso, depois de acaloradas discussões entre arianos e nicenos, por decisão do imperador Constantino Jesus foi elevado a categoria de divino.

Muito tempo depois, no ano de 392, para evitar desgaste político e atrair a simpatia dos cristãos, o imperador Teodósio decreta o cristianismo como religião oficial do império romano, e a partir de então, todas as pessoas que escolheram seguir outras crenças foram consideradas hereges, visto que herege em grego quer dizer escolha. Depois desse decreto, todas as doutrinas e crenças surgidas fora do cristianismo passaram a ser consideradas heresias.

Hoje por exemplo, para a igreja católica as igrejas evangélicas e seitas espiritualistas são consideradas heresias. Da mesma forma, para os evangélicos as outras crenças são consideradas heresias e seus seguidores são denominados hereges.

Embora, como já dissemos, o gnosticismo não possa, a rigor, ser considerado uma heresia, para muitos historiadores e teólogos ele foi sim a primeira heresia surgida dentro do cristianismo. De qualquer forma, depois da formação do cristianismo surgiram centenas de doutrinas estranhas e até contestantes do cristianismo. Entre as principais seitas e doutrinas que mais tarde foram consideradas heréticas ou heresias pela igreja romana podemos destacar.

O docentismo, pregado por Dociteu que entendia que o nascimento, paixão e morte e ressurreição de Jesus se deu de forma fluídica e não materialmente pelo que negava o corpo carnal de Jesus.

Os ebionistas liderados por Ebion acreditavam que Jesus havia nascido de forma natural de José e Maria e só depois do ritual iniciatico essênico é que recebeu o espírito do Cristo cósmico pelo batismo no Rio Jordão.

Os marcionistas liderados pelo padre Marcião, separavam o Velho Testamento do Novo Testamento sob a alegação de que um nada tinha a ver com o outro por serem doutrinas completamente diferentes. O primeiro era apenas para os judeus e o segundo para os cristãos. Esse pensamento também foi seguido bem mais tarde por Lutero.

O maniqueísmo, fundado por Manes ou Maniqueu no III século baseava-se em um deus dualista entre o bem e o mal cuja redenção se daria em (roubar o fogo do diabo) ou na volta dos elementos a sua origem no cosmos.

O orfismo foi uma seita mitológica grega que muito influenciou o cristianismo primitivo tanto na Grécia como em Roma. Essa seita questionava as religiões oficiais pregava a reencarnação inclusive a metempsicose, eram vegetarianos, tinham ritos secretos e cultuavam Apolo e Dionísio. Orfeu é tido como o primeiro educador da humanidade, andava de cidade em cidade pregando a sua crença e ensinando o povo.

Além destas, outras doutrinas contestaram radicalmente as bases do cristianismo e por esse motivo foram alvo de severas perseguições, como o origenismo que foi encetada por Orígenes de Alexandria, teólogo, exegeta e sacerdote cristão, que em 250 pregava a pré-existência da alma e, portanto a doutrina da reencarnação.

O arianismo foi encetado pelo padre Arios de Alexandria, que contestava a divindade de Jesus afirmando que Jesus foi um homem comum apenas revestido da graça. Os desdobramentos dessa doutrina motivaram a convocação do Concílio de Nicéia em 325.

O pelagianismo encetado por Pelágio monge irlandês, filósofo e escritor que em 410 afirmava que o pecado original é uma farsa e que se Adão cometeu algum pecado a culpa é tão somente dele e não da humanidade. Dizia que é impossível a alma trazer consigo algo que não é culpa sua e que se Adão e Eva comeram o fruto proibido foi porque quiseram logo, o livre arbítrio também é uma concessão divina.

A última das heresias antigas foi o Nestorianismo que foi encetada por Nestório patriarca de Constantinopla que em 431 já contestava o titulo e a denominação de Maria como mãe de Deus. Segundo Nestório, o filho do rei não é o rei e se Cristo deve obediência ao pai ele não pode ser deus. Da mesma forma, deus não pode ter mãe.

Jhon Macker
Enviado por Jhon Macker em 21/08/2017
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