SISTEMA DE USO DA TERRA COM O COMPONENTE FLORESTAL (MADEIRÁVEIS E NÃO MADEIRÁVEIS)

Moacir José Sales Medrado

Luciano Javier Montoya Vilcahuaman

Os produtos florestais não madeiráveis tem sua forma de exploração baseado no extrativismo da reserva florestal existente. É explorada economicamente através de seu consumo “in natura”, ou pelo seu beneficiamento e industrialização. Fornecem produtos como à extração de raízes, sementes, fibras, resinas, óleos, cascas de pau, folhas, frutos, caroços e palhas, utilizados para diversos fins como alimento, artesanato, adubo, óleo, látex, plantas medicinais. Há outros produtos comercializáveis como espécies frutíferas que tem boa aceitação no mercado e na culinária da população e dos agricultores. Também, são encontradas espécies florestais que ao mesmo tempo fornecem produtos florestais de grande valor madeireiro.

Complementarmente a importância dos produtos florestais não madeiráveis na segurança alimentar, na geração de renda e ocupação de mão-de-obra, é sua utilização dos recursos florestais como ferramenta para a conservação da natureza e das comunidades rurais.

PÉREZ (1995) considera a atividade como uma situação derivada de fatores sociais, econômicos e ambientais, tais como: falta de acesso à tecnologia, pouco investimento de capital e dificuldades de acesso a ao mercado, associado a aspectos de falta de escala, transporte e padronização do produto. Entretanto para a agricultura familiar na lógica da diversificação de produção insere-se como atividade complementar viável, tanto para auto- consumo quanto para a geração de renda.

A destruição da floresta nativa para produção de madeira (lenha, carvão, toras) é outro produto historicamente explorado no Cerrado. Nesse processo as diversas fitofisionomias do bioma Cerrado, onde em cada uma destas são encontradas algumas espécies características, foram derrubadas visando a comercialização indiscriminada pela indústria madeireira, a expansão de área para lavouras e pastagens, e ainda o uso como lenha e carvão vegetal em propriedades rurais, pequenas indústrias , olarias, siderurgia e construção civil, espécies que podem ser usadas de forma racional na indústria alimentícia, farmacêutica, oleaginosas, entre outras formas.

Atualmente os produtos florestais não madeireiros são cada vez mais evidenciados pelo seu uso diversos como também devido a seu valor alimentício. Contudo, esse tipo de exploração, feito sem manejo ou critérios mais rígidos, acabou fazendo com que aumentasse a pressão sobre as áreas ainda florestadas, com facilidades para a entrada do fogo e fragilização da vegetação nos locais de exploração (RIBEIRO; WALTER, 2001). As espécies florestais nativas para fins de madeireiros são descritas mais detalhadamente na parte II do presente documento.

Apesar de ser menos intensa a exploração da atividade madeireira no Cerrado, em 2010, de acordo com o IBGE/CIDRA, a produção de madeira em tora era de 159.243 m³, de lenha correspondia a 3.020.616 m³ e de carvão vegetal de 500.474 toneladas. A produção de carvão vegetal ainda depende basicamente do corte de lenha vinda de florestas, onde a grande maioria da lenha produzida para sua transformação em carvão, possui origem ilegal, provêm de áreas sem plano de manejo ou licenciamento para a extração do produto.

Conforme dados dos Anuários Estatísticos do IBGE, entre os principais PFNM mais produzidos de ocorrência no Cerrado pode-se destacar:

• Grupo Alimentícios: frutos do açaí, mangaba, umbu, pequi, favela, araticum, cagaita e, mangaba, entre outros.

• Grupo de Oleaginosos: amêndoa de babaçu, tucum, cumaru e do pequi; óleo de copaíba, licuri (coquilho), oiticica (semente), entre outros;

• Grupo de fibras: fibra de buriti, carnaúba e piaçava;

• Grupo de aromáticos, medicinais e corantes: raiz de poaia, catuaba e fatia; folha de Jaborandi, arnicas, nó de cachorro, espinheira santa; semente de urucu; casca de canela, quina, barbatimão, entre outros;

• Grupo Tanantes: casca de angico e de barbatimão.

Atualmente, o pequi é sem dúvida a espécies mais importante pela sua presença no Cerrado, tradicionalmente utilizada pelas populações da região com diversas finalidades que envolvem várias de suas partes, sendo a principal como alimento altamente nutritivo, devido à riqueza de sua polpa em gorduras e vitaminas.

Por outro lado, como mencionam OLIVEIRA e SAWYER (2013) que no Cerrado as mudanças econômicas, a expansão da fronteira agrícola e pecuária e juntamente com o crescimento populacional se constituíram em fatores antagônicos a atividade extrativista. Observando-se também o uso crescente de produtos substitutos têm provocado o declínio de alguns produtos florestais não madeiráveis.

5.4. SISTEMA DE USO DA TERRA EM SISTEMAS AGROFLORESTAIS

O bioma Cerrado tem sofrido intensa devastação de sua floresta devido à ação antrópica. Como para produtores (pequenos e médios) de fronteira agrícola é difícil manter árvores nas áreas de cultivo e/ou de pastagens, também na agricultura familiar os agricultores utilizam suas terras principalmente com agricultura de subsistência (arroz, milho, feijão e mandioca) e com pastagem. Por sua vez os grandes produtores predominantemente possuem áreas de pastagens e de cultivos de grãos para exportação, sendo pouco o interesse da introdução do componente florestal.

A floresta sempre representou uma fonte de recursos para a agricultura familiar que reconhece a necessidade da sua conservação, assim como detém o conhecimento do saber e dos ecossistemas locais.

Os sistemas agroflorestais têm sido apontados como uma das alternativas econômico-ecológicas viáveis, da produção agropecuária e que precisam ser incrementados e estimulados como reposição de espécies florestais, recuperação de pastagens degradadas e valorização dos nutrientes da biomassa da florestal. Eles constituem o tipo de uso do solo que mais se aproxima da estrutura e da dinâmica da vegetação natural, podendo substituir, com certa eficiência, na sua função ecofisiológica de manutenção do equilíbrio ecológico da agricultura tropical.

No Cerrado ocorrem diferentes formações florestais e ainda com várias fitofisionomias em cada uma. Nessas, foram identificadas diversas espécies com diferentes potenciais de uso: alimentar, forrageiro, tanífero, artesanal, ornamental, corticífero, melífero, oleaginoso, medicinal, madeireiro, tintorial, resinífero, condimentar, laticífero e aromático, dentre outros. No uso alimentar, estão incluídas muitas frutas que tradicionalmente são consumidas pela população local, evidenciando a importância dessas espécies no desenvolvimento regional. Esses recursos representam fontes de renda alternativas para comunidades tradicionais, comerciantes, processadores e empresários de todo tipo, contribuindo, de certa forma, para o desenvolvimento sustentável da região, já que são ecologicamente compatíveis com as características peculiares deste bioma.

No Cerrado, existem registros sobre o cabimento, aplicação e emprego de sistemas agroflorestais (SAFs) e de suas modalidades como os sistemas de integração de lavouras com florestas (silviagrícolas) e integração da pecuária com florestas (silvipastoris), onde se possibilita associar numa mesma área o plantio de espécies florestais integrado à pecuária e de cultivos agrícolas para a manutenção e expansão de alimentos, produção de madeira, frutos, outros produtos industriais e serviços ambientais.

Resultados da pesquisa agropecuária em áreas de Cerrado, principalmente, em Minas Gerais e Goiás mostram bons níveis de sustentabilidade agronômicos pela redução dos riscos de pragas e doenças, e melhor ciclagem de nutrientes; econômicos, pela diversificação das fontes de renda; social, pela consequente diversificação de mão-de-obra, de mercado e serviços; e ecológico pela melhoria do balanço hidrológico, conservação de solo, melhoria da fauna e flora e de serviços ambientais como a captura de carbono atmosférico (OLIVEIRA et al., (2000); BEZERRA, (1998); TSUKAMOTO FILHO (2003); PEREIRA et al., (1998); HOFFMANN (2005), MILLER; PEDROSO (2006); DANIEL et al., (2001); DUBOC (2006)).

Considerando-se o SAF como uma forma de cultivo múltiplo onde, pelo menos, duas espécies de plantas interagem biologicamente, pelo menos uma espécie é arbórea e pelo menos uma espécie é manejada para produção agrícola, pecuária ou florestal, baseado na literatura consultada, relacionam-se a seguir alguns dos principais componentes que se destacam e podem vir a formar ou configurar os diferentes esquemas agroflorestais no Cerrado:

a) componentes temporários: arroz, milho, soja, entre outros;

b) componentes madeireiros exóticos ou introduzidos: eucalipto, entre outros;

c) componentes madeireiros nativos: angico-vermelho, guanandi, jequitibá, seringueira, dentre outros;

d) componentes florestais não madeireiros: pequi, mangaba, baru, licuri, faveira, babaçu, tucum, gueroba, açaí, umbu, caju, piaçava, buriti, carnaúba, arnica, murici, sucupira preta, faveira, pacari, mama-cadela, pimenta de macaco, cagaita, caju do cerrado, gonçalo alves , gabiroba, aroeira, assa peixe, café, seringueira, palmáceas , banana, banana, laranja, maracujá, entre outras.

As combinações entre esses tipos de componentes permitem compor diversos esquemas agroflorestais, como:

• Introdução de espécies florestais em áreas desmatadas com pastagens naturais e/ou plantadas

Formação de esquema agroflorestal com aproveitamento da regeneração natural (irregular ou sistemática) de espécies nativas existentes em áreas desmatadas e ocupadas com pastagens (espécies exóticas e nativas);

• Introdução de espécies florestais madeireiros e não madeireiros perenes em áreas com pastagens e animais

Formação de esquema agroflorestal com cultivos perenes (espécies exóticas e nativas).

• Introdução de espécies florestais nativas consorciados com pastagem e com lavouras

Formação de esquema agroflorestal com espécies florestais nativas em áreas de pastagem ou em áreas de lavoura (espécies nativas).

• Inclusão de pastagem em áreas reflorestadas;

Formação de esquema agroflorestal incluindo a formação de pastagens em povoamentos florestais (espécies exóticas e nativas).

• Formação de bancos de proteínas com espécies florestais

Plantio de árvores/arbustos apropriados para a produção de proteína para corte ou pastoreio direto pelos animai

• Taungya modificado

Utilizando o plantio de espécies agrícolas nos primeiros anos de implantação de espécies florestais em áreas de terras firmes degradadas.

• Capoeira melhorada ou pousio melhorado

Plantio de árvores de leguminosas fixadoras de nitrogênio ou implantação de espécies perenes regionais de valor comercial, deixadas para crescer no pousio.

• Introdução de árvores em fileiras ou faixas (plantio em renques)

Plantio de árvores em fileiras ou faixas (renques) e cultivo agrícola entre as faixas das árvores, objetivando minimizar a erosão e controlar as invasoras através do fornecimento de “mulch”.

• Árvores de uso múltiplo em áreas de cultivos agrícolas

Árvores plantadas, dispersas aleatoriamente ou em padrão sistemático em bordaduras, terraços ou faixas de cultivos agrícolas.

• Pomares caseiros / horto caseiro /quintal agroflorestal

Associações densas de multiespécies, multiestratificadas, sem arranjo definido, próximos à moradia.

• Cercas vivas / Quebra ventos / Cortinas de proteção

Árvores plantadas em torno de culturas, pastagens e glebas para proteção.

• Árvores para melhoria ou conservação do solo

Árvores plantadas em terraços, voçorocas, barrancos associados ou não com gramíneas.

Os produtos madeireiros e não madeireiros de espécie nativas do Cerrado têm uso consagrado pela população regional, entretanto são oriundos na sua quase totalidade do extrativismo. Na medida em que houver maior divulgação sobre sua implantação, manejo e estimulo ao mercado e consumo, poderá ser aumentado o interesse pelo cultivo racional dessas espécies, sendo que os sistemas agroflorestais pelos benefícios sociais, econômicos e ambientais parecem ser mais apropriados para seu cultivo.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZERRA, R. G. Consórcios de clones de eucalipto com soja e milho na região de Cerrado no nordeste do Estado de Minas Gerais: um estudo de caso. Lavras: UFLA, 1998. 91p. Dissertação (Mestrado em engenharia florestal) Universidade Federal de Lavras, 1998.

CUNHA, A. S. Uma avaliação da sustentabilidade da agricultura nos cerrados. Brasília, IPEA, 1994. 204p.

DANIEL, O.; PASSOS, C. A. M.; COUTO, L. Sistemas agroflorestais (silvipastoris e agrissilvipastoris) na região Centro-Oeste do Brasil: potencialidades, estado atual da pesquisa e da adoção de tecnologia. In: CARVALHO, M. M.; ALVIN, M. J. da C. Sistemas agroflorestais pecuários: opções de sustentabilidade para áreas tropicais e subtropicais. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite; Brasília, DF: FAO, 2001. P. 153-164.

DUBOC, E. Cerrado: Sistemas agroflorestais potencias. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2006.125p.

HOFFMANN, M. R. Sistema Agroflorestal Sucessional – Implantação mecanizada. Um estudo de caso. Brasília: Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, 2005, 59p. Dissertação de Graduação.

MILLER, R. P.; PEDROSO, M. S. O estado da arte de sistemas agroflorestais na região centro-oeste: Cerrado e portal da Amazônia. In: GAMA-RODRIGUES, A. C. da; BARROS, N. F. de; GAMA-RODRIGUES, E. F. da (Ed.). Sistemas agroflorestais: bases cientificas para o desenvolvimento sustentável. Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, 2006. p. 43-52.

OLIVEIRA, N. I.; SAWYER, D. Mapeamento do extrativismo no Estado do Tocantins. In: IV Seminário Internacional Sobre Desenvolvimento Regional. Anais... Centro de Desenvolvimento Sustentável – UnB. Brasília 2013. Disponível em: <www.ispn.org.br/arquivos/h.pd>

OLIVEIRA, A. D. de; SCOLFORO, J. R.S.; SILVEIRA, V. de P. Análise econômica de um sistema agro-silvo-pastoril com eucalipto implantado em região de cerra de Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v.10, n1. P.1-19, 2000.

PEREIRA, A. V.; PEREIRA, E. B. C.; FIALHO, J. de F.; JUNQUEIRA, N. T. V.; MACEFO, R. L. G.;

PÉREZ, M.R. A Conceptual Framework for CIFOR’s Research on Non-Wood Forest Products. Center for International Forestry Research (CIFOR), Indonesia Working Paper (6): 18p., 1995.

RIBEIRO, J. F.; WALTER, R. M. T. As matas de Galeria no contexto do bioma Cerrado. In: RIBEIRO, J. F.; FONSECA, C. E. L. DA; SOUSA SILVA, J. C. Cerrado: caracterização e recuperação de matas de galeria. Planaltina: EMBRAPA Cerrados, 899p. -2001.

TSUKAMOTO FILHO, A. de A. fixação de carbono em um sistema agroflorestal com eucalipto na região do cerrado de Minas Gerais. Tese de doutorado. Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, 2003.