O país do inverossímil

Era uma vez um grande país, muito grande. Uma grande extensão territorial, uma faixa costeira extensa, um grande povo, uma grande história. Um país grande em tudo, tanto que no seu hino nacional diz-se “gigante pela própria natureza”.

Um país onde as leis são elaboradas e existem, mas, em geral, não são respeitadas, sobretudo as leis de trânsito, onde muita gente morre diariamente, em acidentes e atropelos. Um país onde os cidadãos honestos e trabalhadores são quem ganha menos, trabalha mais, paga mais impostos e, ainda, tem medo da polícia!

Um país que cobra IPVA e outras taxas, além de muitas multas, tantas que dizem até que se tornou uma indústria, apesar da maioria das estradas e ruas das grandes cidades não terem asfalto de qualidade e estarem sempre cheias de buracos. Isso sem falar daquelas que nem asfalto tem e dos atoleiros, alagamentos e sinalização deficiente!

Um país que se orgulha de seus poetas, escritores, juristas famosos, artistas e alunos excelentes, educadores e cientistas de renome, cantados em verso e prosa em todos os recantos do mundo, mas onde a cultura e a educação são relegadas a segundo plano; onde as escolas e universidades vivem caindo aos pedaços e a matéria mais importante é a greve; onde os professores(as) e funcionários(as) são mal pagos; onde o povo paga caro pela educação de seus filhos(as) e a educação continua deficiente. E em alguns lugares inexiste.

Um país onde a agricultura sempre foi considerada prioridade pelos governantes, mas a maioria dos agricultores não tem assistência técnica, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste; onde as condições de armazenamento de seus produtos são deficitárias e as vias de escoamento de sua produção são precárias; enfim, onde os agricultores vivem ao “São Pedro dará”.

Um país onde produtos, lojas, butiques, programas de TV têm nomes estrangeiros, sobretudo em inglês, mas onde o povo mal fala ou fala mal a própria língua pátria!

Um país rico por natureza e pobre por safadeza. Onde as instituições em geral dispõem de recursos apenas para pagar mal a seus funcionários, com seus quadros superdimensionados pelo empreguismo politiqueiro, o que resulta no pouco serviço prestado à comunidade, na maioria das vezes de baixa qualidade.

Um país onde paga-se taxa de lixo e esgoto, mas o lixo fica acumulado nas ruas e estradas e muitos esgotos são a céu aberto... e o que se dizer dos lixões?...Se paga iluminação pública, mas os logradouros vivem às escuras!... A assistência médica é gratuita (SUS), mas também quase inexiste, pois o povo vive doente e nas filas dos hospitais e postos de saúde, aonde alguns chegam a morrer!... Se paga aposentadoria, mas o aposentado tem de mendigar e fazer ‘bico’para sobreviver!... Se paga por segurança pública, mas crimes os mais diversos acontecem em quaisquer lugares, dias e horas.

Um país onde as quadrilhas, em geral, possuem melhor armamento que a polícia, e ainda têm policiais em seus quadros; onde os criminosos são presos hoje e soltos amanhã! Os que permanecem presos, em presídios de segurança máxima, continuam praticando suas ações criminosas! Um país onde, com frequência, cidadãos e, sobretudo crianças, são mortos por balas perdidas!

Um país das secas, desabamentos e enchentes cíclicas “industriais”, do que muitos se aproveitam para tirar vantagens; culpa-se o ‘ciclo hidrológico’, porém, pouco ou quase nada é feito para evitar seus efeitos catastróficos anuais.

Um país onde o governo prefere dar ‘esmolas’ de todo tipo e subsídios para tudo e para todos (oh, doce ilusão!), do que criar condições para que os trabalhadores consigam empregos dignos e bons salários.

Um país onde se copia tudo que vem de fora, bom ou ruim, mas não se presta a devida atenção nas coisas boas e bonitas de que dispomos e daí aquela estória de “los macaquitos brasileños”.

Um país que já encantou o mundo com seu futebol, mas que hoje desencanta sua própria torcida com as cenas de barbárie e mortes frequentes que ocorrem fora e dentro dos estádios!

Afinal, parece que o que se dizia até pouco tempo atrás sobre o país levar a sério apenas carnaval e futebol continua válido! Mas, agora já com restrições!

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Observação: Esta mesma crônica foi publicada, com pequenas modificações, no ‘Jornal do Planalto’, ano XVIII, n. 33, em Fevereiro de 1990, em Cruz das Almas/BA! Pelo visto pouca coisa mudou!

Getúlio Cunha
Enviado por Getúlio Cunha em 20/06/2017
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