OS CAMINHOS DA HUMANIZAÇÃO

«A propósito da Ascensão 2017» - Réplica 2 a um ilustre pensador»

Teses do Dr. Manuel Coelho:

a. “Já tudo foi dito sobre a nossa condição humana. Poetas, cientistas, filósofos e humoristas, Santos doutores da igreja, e outros menos Santos e menos doutores todos temos dores que não gostaríamos de ter e que gostaríamos de compreender.”

b. “A verdadeira religiosidade está lá na ignorância racional daquilo que se faz, mas (sem?) esperança de salvação das terrenas aflições. Turismo e vaidade muito, crenças e crendices mais ainda. Espiritualidade e honesta contrição, pouca, começando pelos clérigos que a respiram tanto que, à beira de muitos deles, sinto faltas de ar.”

c. “ Entre o bafio das piedosas do tempo de Húmus de Raul Brandão e o vazio de interioridade de fé e do turismo de hoje não sei qual mais me incomoda. Sei. É o vazio de hoje e o das igrejas vazias de crianças e de jovens.”

d. “Venha daí uma ilustração que me elucide a mente e o coração. E acenda a luz do meu Dasein. Obrigado pelas suas réplicas. Qualquer dia fazemos as pazes e passamos a ser amigos.”

Argumentatio Frassini:

Caríssimo, em primeiro lugar, como diria Il Poverello, tenho que me render à evidência de um pedido de saudação especial – TAU – (nada mais nada menos que o Ómega de Teilhard), uma saudação de Paz & Bem, antecipando-me à contingência de ter que me submeter a um “processo pacífico” sugerido pelo meu ilustre amigo.

Eu parto do princípio que nos compete lutar (se é que há nisto polémica?) e discernir entre o verdadeiro e o falso das nossas comuns intenções. Trata-se, no que me diz respeito, de um acto de penitência cultural, com a finalidade de curar e vivificar – para não dizer exorcizar – eventuais incongruências havidas ou a haver.

Nesta mesma perspectiva jamais esquecerei o veredicto teilhardiano quando ele constata: “Todos os que querem afirmar uma verdade antes de tempo arriscam a descobrirem-se heréticos”. Por esta mesma evidência é que eu não ousarei arriscar.

Posto este exórdio, compreensível, vamos então às suas teses. Digo «teses» porque o meu amigo perante a mesma realidade – movido por maré de emoções (transitórias) – desdobrou-se obviamente em nítidos quatro “horizontes” que, devidamente escalpelizados, dariam para a elaboração de um “tratado sobre a alma humana” nos tempos que correm…

01 – Ainda nada foi dito, na minha opinião, em definitivo sobre a “condição humana”, não! Desde os primórdios do homo sapiens – e muito mais desde os nossos beneméritos pré-socráticos – que este «fenómeno» tem constituído a grande caminhada para a Humanização. E tem sido esta GRANDE CAMINHADA que tem projectado o ser humano para os patamares prestigiantes do Conhecimento Global.

Em toda a condição humana nada está fechado, antes pelo contrário, há “nuances” permanentes que condicionam efectivamente toda a realização desejada. É aquilo a que chamamos Sonho. E todo o Sonho, seja ele concretizado ou não, é imparável. As diferentes Entidades citadas por si, e quiçá muitíssimas mais, assim o têm demonstrado. Portanto, quer queiramos quer não, jamais se esgotará o Logos da humana existência. É certo que as “dores desse caminhar” nunca caducarão. Todavia, e a fé humanista assim o comprova, também existem os “prazeres da mesma caminhada” que – na razão da consciência – constituem o fiel da balança possível.

02 – Entre a ignorância racional da religiosidade e a esperança salvífica perante as aflições intercalam-se séries infindáveis de atitudes e reacções (lenitivos) tendentes à concretização da satisfação dos desejos naturais de quem é humano. Na minha opinião só há dois caminhos que poderão levar a essa tentativa de concretização: ou a força instintiva (determinação) ou a concertação (confiança). O primeiro “caminho” necessariamente conduzirá à lei das armas; o segundo “caminho” é, obviamente, a Fé. Creio estar aqui, mais que em tudo, o desiderato de toda a religiosidade, qualquer que seja a sua Expressão.

É evidente que – a aceitar-se a dualidade de corpo & alma – todo o género humano é susceptível de falhar, no que toca à prática dessa mesma religiosidade. Daí a realidade e antinomia entre o espírito (forte) e a carne (fraca) … É, a partir desta realidade, que bate o ponto crítico. Eu concordo – até com alguma graça – quando o meu amigo fala em “faltas de ar”, à vista de certos “corvos” (como diria Vieira) e demais situações. É essa a contingência a que já lhe chamava, um certo político, de “pântano”… Segundo o mesmo Teilhard, também estou convicto que “toda a crise nada mais é do que um mal de crescimento … que, em suma, poderá ter o seu culminar, com trabalho e esforço, numa regeneração a posteriori”. Talvez se possa chamar a isto de “contrição”.

Por outro lado, diz o mesmo autor: “É um dever sagrado para quem é crente, em matéria de verdade humana, pesquisar e comunicar o que ele encontra aos profissionais e em nível profissional (para todos os efeitos os clérigos também são profissionais, digo eu) e partir para a denúncia correcta desses actos e pessoas”. Ninguém se poderá pôr de fora neste processo, antes pelo contrário, teremos de assumir a consciência cívica/religiosa que, no fundo, constitui o testemunho da formação/educação que foi recebida desde que se é gente.

De igual modo este filósofo/cientista e humanista – refiro-me a Teilhard de Chardin – confirma noutro contexto: "Se eu pudesse mostrar apenas, por um instante que fosse, aquilo que eu vejo, acho que valeriam a pena todos os esforços de uma vida inteira".

Portanto, nesta segunda sua constatação justificável, caríssimo e ilustre amigo, sejamos ou não teilhardianos, o que é secundário, uma coisa é certa: a «consciência cívica global» – aquilo a que ele chama de “noogénese” – terá que ter o seu lugar na nossa própria existencialidade.

Para isso, segundo a minha opinião, todos os agentes de comunicação (artistas, escritores, cronistas, etc.) e educadores (professores ou não) e, porque não, mães e pais conscientes, terão sempre uma palavra a dizer. Retiro destas referências as “castas instaladas” (governantes, clérigos, empresários, etc.) que, por razões óbvias, não fazem parte do Sistema. E isto porquê? Porque se servem dele… logo não colaborarão!

03 – Na sua terceira constatação, nota-se uma clara emergência de uma crítica sociológica e demográfica, quer sob o ponto de vista religioso, quer como no que concerne às práticas economicistas/mercantilistas que todas as religiões arrastam, em si mesmo.

Assim o meu amigo denuncia neste contexto o “fenómeno Fátima” que testemunhou ao vivo – e todo o país na T V.

É a parte evidente do “húmus” da condição humana, no que concerne ao Culto. Sabe muito bem aos Maiorais de todas as Igrejas, se possível encher os cofres e ostentar sinais exteriores de magnificência, o que constitui inefavelmente toda a simbologia do Poder. E lamentavelmente, ou não, assiste-se, sub-repticiamente, à instrumentalização da Fé.

Esta mesma realidade o denunciou o próprio Nazareno quando não teve papas na língua nem teias de aranha nos braços, quando se aventurou ao uso de um azorrague e chamando “sepulcros caiados” aos ditos Maiorais daquele tempo. E todos nos recordamos do princípio evangélico que Ele deixou: “A César, o que é de César, a Deus o que é de Deus!”.

Quanto ao “vazio da alma” e ao “vazio das Igrejas” (independentemente das idades ou gerações) pois, isso já é a resultante das constatações enunciadas. Paira no ar, sim, desde há muito e cada vez mais, uma sede pelo DIFERENTE tendente a colmatar todos os VAZIOS.

04 – Finalmente, «ilustração»? Que lhe direi? Compete a todos nós, tanto quanto possível, partilharmos saberes (dúvidas) e experiências que vamos acumulando ao longo da vida, isto é, construir entre a Mente e o Coração, não um “muro” mas sim um Canal de Comunicação que extravase para o Outro. A partilha das ideias e das experiências personalizadas constitui uma qualificada mais-valia.

Só dessa forma será possível dar provimento à boa administração do Ego (Dasein) de cada um.

E, por falar em «Réplicas» dispense-me, por favor, desses desafios pois que será de bom-tom, de vez em quando, haver os necessários POUSIOS, com o objectivo de recarregar batarias para outras lides. A não ser que esta presente Dissertação enferme, aqui ou ali, de “incongruências”, vulgo incorrecções, pelo que solicito a amabilidade de me avisar.

Saudações literárias, filosóficas e culturais! O amigo, semprAodispor, com um cordial abraço

Frassino Machado

In PARA ALÉM DA POESIA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 23/05/2017
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