INDIGNAÇÃO SEM FIM

Por Afrânio Silva Jardim:

CONTINUO INDIGNADO, MAS SEM SABER O QUE PENSAR E O QUE FAZER

De uma coisa eu não tenho dúvida: deve existir um modelo de sociedade menos ruim que a sociedade capitalista.

Ela é fundada em valores deletérios: competição, individualismo, consumismo, alienação, ganância e cobiça desmedida.

O capitalismo, pela injustiça social que proporciona, pode ser visto como um grande genocida diário, se considerarmos a fome e guerras em todos os continentes da Terra.

De uma coisa tenho certeza: se não conseguirmos domar ou mudar o capitalismo, em menos de um século, não haverá vida sobre o nosso planeta.

Reconheço que as minhas ideias radicais e, até mesmo revolucionárias, estão longe de poderem ser viabilizadas, de poderem ser efetivamente aplicadas, sequer a médio prazo.

Ademais, o contato próximo com mortes de entes queridos tem despertado em mim uma perspectiva mais humanista. Como criador de cães, presenciei a morte de mais de 120 destes amigos incondicionais, muitos falecendo em meus braços. Perdi alguns bons amigos humanos e, principalmente, perdi meu pai e uma das minhas filhas. Tudo isso “quebra” a gente.

Nunca valorizei tanto a vida como agora, quando ela está para se expirar. Nós só damos valor às coisas quando elas já se foram ou estão se acabando ...

Desta forma, ficamos no dilema: qual o nosso horizonte utópico? Como melhorar a sociedade sem sacrificar vidas preciosas? Como não mudar a sociedade e assistir ao sacrifício de vidas preciosas? Como assistir impassível à morte de tantas crianças em razão dos bombardeios militares ou tentativa de asilo de refugiados?

Será possível um “marxismo humanista”? Frei Beto, Gyorgy Lukacs e Paulo Freire, ( https://youtu.be/MF9-tZMwqjE ), dentre outros, entendem possível esta compatibilização.

A crise é minha, mas compartilho com vocês. É importante provocar reflexões e fazer constantes autocríticas durante as nossas vidas.

A crise é sinal de mudanças, é sinal de avanços. Dialeticamente, a crise é o questionamento do “velho” e a expectativa do “novo”. O “novo” deve ser considerado como algo “bom”, até prova em contrário. Nada a conservar. Tudo há de “cambiar”, como está dito na bela música “Cambia, todo cambia”, cantada por Mercedes Sosa: “cambia el modo de pensar ...”

https://www.youtube.com/watch?v=yN17DIdGLH8

Entretanto, os nossos melhores valores e princípios não mudam. Eles sequer são nossos. Eles são frutos do processo civilizatório, eles são fruto das lutas sociais ao longo de nossa história. Eles também são frutos de mudanças e transformações sociais, são históricos e, algum dia, serão substituídos por algo ainda melhor ...

Por ora, há pouco a fazer e muito a pensar. De outra coisa eu tenho certeza: não podemos nos conformar com estas mazelas humanas.

Como disse o saudoso “Betinho, o irmão do Henfil”: estaremos perdidos se ao menos não nos indignarmos com tantas injustiças em nossa sociedade. Ao menos, que haja indignação !!!

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito da Uerj

INDIGNAÇÃO SEM FIM (Comentário de Marco Antônio Abreu Florentino ao texto de Afrânio Silva Jardim):

Lindo e profundo texto que vai de encontro com minha forma de pensar o mundo ... o mundo capitalista, principalmente na minha atual situação existencial em que o sentimento de proximidade com a chegada se faz mais intenso e presente.

Tenho uma desagradável sensação de que perdemos para o capitalismo, de que ele é invencível e que, de alguma forma, mesmo considerando o inexorável movimento dialético da história, ele acaba voltando com força. A síntese ao se tornar tese, parece que sofre um retrocesso de força e valor social no seu dinâmico movimento. Talvez isso ocorra por causa da enorme dificuldade do homem em se livrar dos seus valores primitivos como o egoísmo, a individualidade e a falsidade existencial... dai tanta injustiça social e humana no capitalismo.

Não sei, também fico sem saber o que fazer, achando que nossa única alternativa é tentar se adaptar a esse determinismo imperioso sem perder a capacidade de se indignar e também de lutar, mesmo tendo a consciência da luta como uma guerra impossível de ser vencida, mas comemorando cada batalha vencida como a grande batalha, principalmente no que diz respeito às condições sociais do homem enquanto ente detentor dos seus direitos no trabalho, na saúde e na educação.

Em assim agindo nunca perderemos nosso sentido de existir e, talvez dessa forma, a humanidade possa conviver em condições mínimas de bem estar social, mesmo tendo o terrível espectro do capital a lhe fazer sombra.

Parabéns pelo texto lúcido e sincero que, com certeza , conforme dito, não é só seu, mas de todo indivíduo minimamente consciente da sua necessidade de convivência coletiva, justa e equilibrada.

Marco Antônio Abreu Florentino