Guilherme Boulos: o intelectual orgânico da atual esquerda brasileira.

- Introdução

Diante do presente momento de fragmentação da esquerda, pelos tempos líquidos da pós-modernidade e pela divisão teórica que dela surge, questionamos: Qual das lutas atuais, da esquerda, são diretamente lutas anticapitalistas?

De lutas anticapitalistas, não incluo e nem devo, as ações dos black-blocks ou dos grupos independentes, que marcham nos protestos destruindo agências bancarias. Mas sim, lutas que agem diretamente nas bases capitalistas, que atacam as forças vitais do capitalismo e não apenas a sua ponta de iceberg. Entre os movimentos feministas, LGBT's e negros, não podemos os caracteriza-los diretamente como anticapitalistas, mas sim como defensores de causas especificas contra o autoritarismo e o racismo, onde que buscam não o fim da ordem vigente do capital, mas a maior oportunidade de nela participarem. É desta forma que tais movimentos encobrem a causa coletiva de seus problemas, ao desejarem fazer parte da ordem capitalista, não notam (ou fingem não notar), que é esta ordem que tem os historicamente excluídos.

Partindo desta indagação e observando que os movimentos, acima citados, não agem diretamente contra a ordem capitalista, chego a conclusão de que a luta anticapitalista está presente nos movimentos por moradia e terra. Pois, atacam diretamente a força vital das Cidades-Capital¹ brasileiras. Atacam o núcleo do liberalismo e a sua concepção de terra, atacam o privilégio da burguesia e a sua propriedade privada. Foi deste modo que cheguei ao tema deste texto.

Ao notar que, "weberianamente" falando, os movimentos sem-terra detêm o sentido comum da esquerda (por sua ação verdadeiramente anticapitalista), percebi que um de seus notáveis lideres, Guilherme Boulos, desdenha de uma filosofia-práxis e, deste modo, garante a consciência coletiva do movimento que lidera, o (MTST) - Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, tornando-se assim, aos moldes de Gramsci, o atual intelectual orgânico presente na esquerda brasileira.

- O Filosofo Ativista.

Guilherme Boulos é professor e psicanalista. Formado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde ingressou em 2000, e especializou-se em psicanalise. Atualmente atua como psicanalista clinico e é colunista da Carta Capital. Iniciou sua militância politica aos 16 anos no movimento estudantil e ingressou no MTST, em 2002.

O filosofo é líder de um dos únicos movimentos anticapitalistas presentes na esquerda brasileira atual, a luta pelo do direito de terra e moradia, previsto no artigo 6° da Constituição Federal de 1988, do qual, é tão criticada pelo senso-comum, que a caracteriza como invasão de terra. Esta luta age diretamente na base do liberalismo: a propriedade privada e sua concepção de terra, cujo, privilegia os grandes proprietários burgueses ao dizer: "[...]que os homens concordaram com a posse desigual e desproporcional da terra;"(2005,p.428 - defendida pelo seu pioneiro, John Locke), fazendo assim, valer a reivindicação de Rousseau, que a define como causa das desigualdades entre os homens.

Em seu livro -Por que ocupamos? Uma introdução à luta dos sem-teto - o ativista relata que:

" Ao contrário do que parece, não faltam casas no Brasil. Há mais casas do que famílias para morar nelas."(BOULOS, 2012, p.16), e atribui a causa do problema de sem-tetos, devido: "a maior parte dessas casas vazias (estarem) nas mãos do pequeno grupo de grandes capitalistas, que ganham muito deixando as coisas como estão." (idem, ibid., p.17), pela especulação imobiliária. Ainda no livro, podemos identificar o consenso que a práxis político-social do MTST desenvolve em seus ativistas, ao dizer que "a participação numa ocupação organizada representa um despertar para muitos trabalhadores" e que: "Ao tornarem-se, parte ativa, unindo-se á outros companheiros pelo mesmo interesse coletivo, muitos sem-teto desenvolve uma nova visão das relações sociais e politicas em que estão inseridos, passando a atuar de modo mais critico e ativo no conjunto de sua vida." (idem, ibid., p.66).

Deste modo, como nos diz Giovanni Semeraro², sobre Gramsci, cujo:

"Gramsci retrata a osmose profunda dos intelectuais com as camadas populares, reconhecidas como sujeitos ativos imbuídos de “espírito criativo”, porque promove a universalização da intelectualidade." (SEMERARO, 2006, p.379), podemos identificar Guilherme Boulos, como este sujeito ativo no movimento social. Afinal: "Todo grupo social(...) cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função. (GRAMSCI, 2001, p.15) e que como "Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual." (GRAMSCI, 2001, p. 52-53), Boulos, o MTST e suas ocupações, tornam-se um movimento gerador de intelectualidade e é homogeneizado por ela.

Boulos sendo um especialista em sua profissão, que utiliza de seu saber filosófico e psicanalítico para mobilizar famílias na luta pelo direito á moradia, e que, consciente de sua posição de classe, manifesta sua atividade intelectual de diversas formas, onde que além de líder do MTST é colunista, assemelha-se aos intelectuais orgânicos, termo cunhado por Gramsci: "que, além de especialistas na sua profissão, que os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam, [e que] Conscientes de seus vínculos de classe, manifestam sua atividade intelectual de diversas formas: no trabalho, como técnicos e especialistas dos conhecimentos mais avançados; no interior da sociedade civil, para construir o consenso em torno do projeto da classe que defendem; na sociedade política, para garantir as funções jurídico-administrativas e a manutenção do poder do seu grupo social. (SEMERARO, 2006, p.378).

O ativista, portanto, faz valer "O modo de ser do novo intelectual (...)[que possui] inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanentemente” [cujo], chega à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual permanece “especialista” e não se torna “dirigente” (especialista + político)."³(GRAMSCI, 2001, p.53).

- Conclusão

Deste modo, o líder do MTST, torna-se o único líder arraigado pelos valores dos teóricos da filosofia-práxis, na atual esquerda que aqui há. Pois com a consciência teórica, Boulos, carrega em uma das mãos a Constituição e na outra serra o punho para a luta de um direito. Levando a cabo a 2ª Tese sobre Feuerbach, de Marx e Engels, pois ao questionar a existência do direito á moradia dito na Constituição, faz valer ao que os autores disseram [que] "É na práxis que o homem tem de comprovar a verdade, isto é (...), o caráter terreno do seu pensamento" (MARX e ENGELS, 1984, p.108).

É na práxis que Guilherme Boulos reivindica os direitos obscurecidos pelo senso-comum, detendo o sentindo comum da esquerda, com seu ataque direto ao capital e a segregação social que este causa. Representando e exemplificando ao seu movimento, e a toda a esquerda, a organicidade de um intelectual, vinculado á sua causa anticapitalista e de classe subalterna, cujo, proporciona com suas ocupações um consenso de luta para os trabalhadores e uma consciência coletiva de atividade político-social, tornando-os literalmente cidadãos (participantes da vida na polis).

A intelectualidade orgânica de Boulos, que vai das ocupações aos jornais, buscando fazer valer na realidade, o que esta posto no papel e buscando espaço (ou hegemonia) na cultura e no senso-comum, deve servir de exemplo aos fragmentados grupos da esquerda, tanto aos que agem sem teoria quanto aos que só teorizam.

Notas:

1- " um modelo de cidade profundamente desigual e opressor(...) A cidade capital é segregada(...) É como se as cidades se dividissem em duas: a dos ricos e a dos pobres". (BOULOS, 2012, p.35).

2- Giovanni Semeraro: Doutor em Educação, professor de Filosofia da Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Política e Educação (NUFIPE).

3- Como Gramsci a apresenta, desde os tempos de L’Ordine Nuovo.

Referências Bibliográficas

BOULOS, Guilherme. Por que ocupamos?: Uma introdução á luta dos sem-teto. São Paulo. Scortecci. 2012.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere vol 2. Trad: Carlos Nelson Coutinho. 2ª edição. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2001.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo. Editora Moraes LTDA.1984.

LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo. Trad: Júlio Fischer. São Paulo. Martins Fontes. 2005.

SEMERARO, Giovanni. Intelectuais "orgânicos" em tempos de pós-modernidade. Cad. Cedes. Campinas. vol.26, n.70. p. 373-391. set./dez. 2006. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>