Garatuja.
 
          Quando criança brincávamos de desenhar sobre uma garatuja, sem alterar seus traços, e o desenho mais criativo ganhava.
          Cada um fazia uma garatuja e passava para o próximo , que após virar e revirar a folha procurando o melhor ângulo, deixava que os olhos buscassem um animal, um brinquedo, um objeto...sem perder a garatuja, que deveria ser respeitada.
          Esses jogos infantis aprendi com a minha mãe, assim como tantos outros, ela era de um tempo sem brinquedos, onde a criatividade era desenvolvida ao extremo entre as crianças da pós guerra. Ela sabia desenhar um pouco, o suficiente para sabermos destinguir um pato de uma galinha, por exemplo, por detalhes , como o bico , e o gato de um cachorro, pelos bigodes .
          Desenhar de olhos fechados também era motivo para boas gargalhadas, pois enquanto o amigo desenhava nessas condições a gente ia narrando o caminho do lápis, do tipo ; " Pô você está colocando a tromba do lado do rabo...", o que o fazia desconcentrar , deixando a situação ainda pior.
          Foi com a minha mãe que aprendi a fazer dentadura de casca de laranja, e uma vez no refeitório da Ford, enquanto os colegas conversavam, eu recortei os dentes e de repente comecei a falar  já com eles na boca, com a parte laranja pra dentro,  cairam na risada, e como sou muito sossegado, continuei na brincadeira por um par de minutos como se fosse a coisa mais normal, o sufiente para notar muitas outras mesas também rindo da empreitada. Sou do tipo que conta piada sério, tenho bom controle.
         Com a canetinha hidrocor desenhava os ovos da geladeira, cada um com uma cara diferente, tinha um que ganhava até um bigodinho do Hitler, e meu pai detestava que fizesse isso, dizia que não se brinca com os alimentos, mas eu era só um garoto que tinha tentação por canetas e desenhos, à ponto de pegar a lista da feira e desenhar cada verdurinha ou legume na frente do nome, o que deixava meu pai ainda mais bravo. 
          Meus filhos sempre acharam divertido, e faço até hoje, recortar a fatia de bolo com modelos de casinhas, com porta , janela e telhado e é uma coisa meio que automática, o desenho sempre me acompanhou, 
          Desenhei muitas coisas, e os colegas de trabalho viviam me pedindo caricaturas e desenhos mil, sobre o nosso cotidiano, as coisas engraçadas que aconteciam, porém sem denegrir a imagem de ninguém, pura diversão.
          O meu pai não desenhava nada, nem um pato com o número dois de modelo, os seus desenhos eram mais abstratos que os de Picasso, já o meu irmão desenha bem, e também tem arte para o traçado.
          Quando fiz o curso de desenho mecânico consegui tirar excelentes notas, desenvolvi   um traço firme desde a infância, às vezes penso que é dom pois desenho  rápido , a imagem nasce na mente . 
          Uma vez fiz a caricatura de um homem que conversava com o meu chefe ,e quando ele me chamou pedindo um documento, me levantei e entre as folhas coloquei o tal desenho ( eu era bem jovem , tinha só vinte anos), e quando ele manuseou os papeis, se deparou com a caricatura do sujeito, e ficou como um pimentão, rsrss... teve vontade de me trucidar, mas depois também riu do episódio.
           Um dia destes me deu uma vontade enorme de ter uma caixa de lápis de cor, daquelas com muitas cores, uma vontade boba , dessas que pintam nas "ideias" como ondas de saudade , depois passou, mas confesso que lá no fundo,bem no fundo ...ainda tenho, e qualquer dia ainda compro uma para colorir a minha escrivaninha.
         
             
             
Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 18/04/2017
Reeditado em 19/04/2017
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