A importância do CADERNO

Cada um deve conhecer o seu estilo para compreender o valor do caderno que representa, em sentido escrito, o ponto de vista que define o seu “dono” ou “autor”, e o que de interessante está em sua volta.

O caderno é plural e, talvez, o que torna compreensível os diversos relacionamentos: com nós mesmos e com as palavras, sem regras, em sentimentos soltos; é o objeto em que escrevo o que demonstra o meu sentido; o que deixo gravado para não me esquecer dos momentos marcantes.

O caderno é canal de comunicação onde me deixo no que há para ser escrito; em qualquer tipo de percepção, ele traduz o meu trajeto. Como em Valdevinoxis, “... Tenho um caderno pautado/com muitas linhas escritas... // com muitas linhas vivas... / Nunca está arrumado, / Nunca está fechado, / Só vive, vivo escrito / Nas palavras que guardo”.

Mario Quintana, ao longo do tempo, publicou poesias e curtos textos, no jornal porto-alegrense, Correio do Povo, na coluna Caderno H, que eu, leitora e apaixonada pela literatura, recortava para guardar. Até que esses textos foram transformados em livro, lançado em 1973; para Bráulio Tavares, “este livro de Mario Quintana, parece uma festa, a poesia é uma convidada, no meio de muitos outros”.

Há vários tipos de cadernos: agenda, diário, poesia, escolar e outros, onde encontro textos provocativos, polêmicos, saudosos, íntimos em declarações de amor, com anotações profissionais e até receitas culinárias; mas, todos representam símbolos que preenchem as linhas do cotidiano. No caderno do poeta ele revela as impressões da vida, registradas com sensibilidade, pois, cada percepção é inspiração para o texto poético, como demonstra Estela, em Cadernos de Poesia, “Houve um tempo em que as moças tinham um Caderno de Poesias, esse caderno era passado para as mãos das pessoas amigas que deveriam escrever um verso, uma poesia, um pensamento... Esses versos eram sempre acompanhados de uma dedicatória para a dona do caderno... Esse caderno ficou guardado e pouco esquecido... Li e reli as poesias, os pensamentos... eu ia me lembrando da fisionomia, do jeitinho de cada uma das minhas amigas, formando um lindo mosaico... onde tudo parece tão vivo, tão nítido e tão próximo. Eu ainda trago comigo esse gosto pela poesia e uma mania de colecionar cadernos...”

No diário processo vivências, amores e lembranças; a linguagem geralmente usada é a da emoção, que fala mais alto do que a razão.

O caderno faz parte da minha vida; na continuidade das anotações da roda-viva, no espelhar palavras em que vozes silenciadas procuram se fazer ouvir, como reflete a coletânea Cadernos Negros, que tem por objetivo valorizar a imagem do negro no Brasil. Seus participantes dão voz à população negra na luta contra a desigualdade social e racial. O primeiro volume dessa coletânea foi lançado em 1978; depois, publicado um volume por ano, totalizando dezenove cadernos, que deram origem a dois livros: Cadernos Negros: os melhores poemas e Cadernos Negros: os melhores contos.

A importância do caderno está nas linhas da vida, que revelam o comportamento do autor. A ênfase é dada, por que a escrita que formulo são datadas e presas aos sentidos, na visão crítica do momento ou na necessidade do dia, por exemplo, Itamar Assumpção (morto em 2003) deixou sete caixas de papelão com 110 cadernos rascunhados de músicas, versos soltos, contos infantis, crônicas e poesias. Sua esposa Elizena reuniu o material e o transformou no livro Itamar Assumpção: Cadernos Inéditos. Outro exemplo é da obra de Oswald de Andrade, publicada em 1927, com o título Primeiro Caderno. A capa da primeira edição foi idealizada pelo autor com base em real caderno de exercícios escolares. Para cada poema, um desenho referente a cada composição, também de autoria do próprio poeta. Segundo Filomena, “... As palavras soltam-se no caderno / para dizer da sonoridade da ternura / que não cala os silêncios da alma...”

A importância do caderno está no que revela da permanência, dos atos como manifestações culturais e sociais. O tempo verbal é atemporal, mas, conjugado no mundo do “quando”, como retomada da temporalidade, porque, nas palavras de Paulo Leminski, “Abrindo um antigo caderno foi que eu descobri: antigamente eu era eterno!”