Perspectivas históricas e sociológicas sobre o Ciclo da Borracha (1945-1999)

Existe, desde 1940, uma densa historiografia sobre esse período econômico da região, tanto de autores naturais da terra quanto de outros estados. Institutos Históricos e Geográficos, Universidades e outros especialistas lançaram uma gama de interpretações na tentativa de compreender o que ocorreu naquele intervalo de tempo entre 1890 e 1920 (1).

Caio Prado Júnior, em História Econômica do Brasil (1945), vê de forma negativa o sistema de aviamento, que se aproveitando do baixo ou nulo letramento do seringueiro, o prende a um sistema contínuo de endividamento; e o sistema rudimentar de trabalho, que destruía aos poucos as árvores de seringueira, tornando os espécimes cada vez mais raros. Para o autor, além do contrabando de Wickham, o declínio se deu porque a Amazônia se constituía em uma região meramente exportadora de matéria-prima, enquanto que suas concorrentes, as colônias asiáticas, eram financiadas, desde a plantação até a distribuição, pela Inglaterra e outras potências europeias; e porque as elites locais, políticos e seringalistas, não construíram algo duradouro, dissipando rapidamente os lucros obtidos com essa economia, cujo maior símbolo, de “imponência e mau gosto”, é o Teatro Amazonas. Para esse historiador da geração nacionalista e progressista, o ciclo da borracha foi marcado por uma prosperidade fictícia e superficial, o que torna seu fim “mais um assunto de novela romanesca que de história econômica” (MESQUITA, 2006).

Em Ordem e progresso (1957), Gilberto Freyre aborda a transição do período imperial para o Republicano, mostrando como permanecem, nesse novo contexto político, formas de organização social características da monarquia, com o diferencial de que a República trouxe a industrialização, a urbanização e, em menor proporção, alguma ascensão social de grupos antes excluídos. É nessa oposição, entre Império e República, que entra Manaus. Para Gilberto, a cidade foi “uma reação à rotina brasileira”, pois, recebendo influências inglesas, francesas, americanas e espanholas, se diferenciava da maioria das cidades do país, ainda com fortes traços conservadores do Império, acolhendo “desajustados políticos e sociais” que se entregavam aos prazeres em um ambiente de “economia de aventura e de civilização cenográfica” (MESQUITA, 2006).

A partir de 1960 autores da região Norte começaram a publicar obras sobre o assunto. Genesino Braga, em Fastígio e sensibilidade do Amazonas de ontem (1960), é saudosista ao afirmar que, naquele momento, o Amazonas “passava por uma fase alucinante de fausto, de luxo, de esbanjamento e de gastos imoderados, sendo um pequeno centro de ressonância da cultura europeia” (MESQUITA, 2006).

Bradford Burns, professor de História da UCLA e especialista em América Latina, produziu em 1961 uma monografia editada pelo governo do Estado do Amazonas em 1966, com o nome Manaus 1910: retrato de uma cidade em expansão. Sobre a capital, diz ele: “em 1910, Manaus reinava como a capital mundial da borracha. Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade europeia de seu tamanho ou mesmo maior”. Notou que, politicamente, a cidade estava ligada ao Rio de Janeiro, economicamente dependia de Londres e, culturalmente, de Paris. A obra, que não possui maiores informações, não carrega críticas sobre o sistema econômico, as condições de trabalho e as elites (MESQUITA, 2006).

Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro (1969), de Luiz de Miranda Corrêa, tem ares de um elogio saudosista ao período, à influência europeia e à ação das elites. Manaus se transformava, com obras monumentais e serviços públicos de qualidade. “Uma sociedade inteira passava de um estágio primitivo para os requintes da civilização europeia”. A descrição dos palacetes, bares, hotéis e bordéis são vívidas. As elites elogiadas são aquelas formadas com o nascimento da República, enquanto que “as famílias mais antigas do Amazonas, o pequeno número de privilegiados do Império, […] ou se adaptavam às novas condições de vida da região ou seriam, como vários o foram, tragados pelo redemoinho dos interesses da borracha” (CORRÊA, Luiz de Miranda. Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro. Manaus: Artenova, 1969).

Com exceção da análise de Caio Prado Júnior e, em parte, da de Gilberto Freyre, que ainda tenta ver algum ponto positivo na sociedade republicana do início do século XX, todas as demais são positivas, algumas constituindo-se em verdadeiros elogios saudosistas. A borracha tornou alcançável o ideal de progresso burguês da Europa, sedimentando um passado amazônico nativo e mestiço, estagnado no marasmo colonial e, logo depois, imperial (MESQUITA, 2006).

O sociólogo Márcio Souza encerra essa linha de elogios e exaltação da cultura burguesa em 1977, com a publicação de A Expressão Amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. De acordo com Otoni Mesquita, Márcio Souza, em algumas passagens, “mostra ter alguma influência de Caio Prado e Gilberto Freyre, mas tece críticas mais radicais” (MESQUITA, 2006, p. 157). Para o autor, durante o apogeu da borracha, o Amazonas esteve bastante alienado, com sua capital sendo “a única cidade brasileira a mergulhar de corpo e alma na franca camaradagem dispendiosa da belle époque”. Acrescenta ainda que ela não era “verdadeiramente uma cidade, mas decoração do sonho e do delírio, microcosmo das doenças do espírito burguês com toques de selvageria e grossura”, cujo novo estilo de vida contrastava com sua linhagem portuguesa, a tornando um verdadeiro cenário para o colonialismo. Essas críticas, em especial ao ideal burguês citadino, também poder ser vistas em sua Breve História da Amazônia (1994) e História da Amazônia (2009).

Roberto Santos, com sua História Econômica da Amazônia: 1800-1920 (1980), vê o ciclo da borracha como uma fase de expansão da economia amazônica, dependente de estímulos externos (industrialização na América do Norte e na Europa). Para ele, a força desses estímulos foi tão forte ao ponto de outros setores econômicos não conseguirem competir com a extração do látex, que absorveu mão de obra até da agricultura de subsistência. O sistema de aviamento “falseava o cálculo econômico”, estimulando o escambo nos seringais e “limitando a liberdade de consumo dos trabalhadores”. Roberto divide o período em quatro fases: 1830-50 – elevação inicial moderada; 1850-70 – melhoria do tirocínio, com aceleramento da produtividade; 1870-90 – adestramento nordestino, com modestíssima elevação da produtividade; e 1890-1910 – A fase acreana.

Antônio Loureiro, em A Grande Crise (1986), com um grande arsenal de dados estatísticos, analisa a derrocada da borracha em uma perspectiva nacional. O Brasil, para o autor, sentiu os efeitos da crise, pois dependia da Amazônia para a obtenção das libras esterlinas, necessárias para o pagamento da dívida externa, para equilibrar o preço do café e urbanizar a capital federal; mas continuava alheio à região. As críticas, em sua maioria, são feitas à omissão da União, que tardiamente tomou medidas que se mostraram ineficazes ao combate da crise; outras são feitas aos empresários e outros trabalhadores que enviavam altas somas de dinheiro para suas terras de origem, descapitalizando a região.

Warren Dean, americanista autor de A luta da borracha no Brasil (1987), desenvolve uma pesquisa interdisciplinar entre a história e a ecologia, ou História Ecológica, popular nos EUA entre 1970 e 1990. Dean levantou importantes questionamentos, como o porque de o país ter perdido o monopólio; quais os limites da monocultura; e porque as plantações brasileiras falharam. A luta do Brasil se deu após o auge das exportações e no início da decadência, quando começaram as primeiras tentativas de domesticação da seringueira e seu cultivo racional. Sua abordagem ultrapassa o recorte cronológico tradicional, indo de 1855 a 1986.

Bárbara Weinstein, também americanista, produziu A borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920 (1993). Nesse estudo a autora mostrou como essa matéria-prima dominava a região muito antes do boom do final do século XIX; como existia, entre as elites, discursos a favor e contra essa economia extrativa. Ao abordar a figura do seringueiro, Bárbara, dentro do conceito de luta de classes da teoria marxista, foge da historiografia tradicional, que o mostrava apenas como um trabalhador miserável e explorado, o mostrando como um “militante” que usava diferentes formas de resistência contra a opressão dos seringalistas.

O ensaio de Edinea Mascarenhas Dias, A Ilusão do Fausto – Manaus 1890-1920 (1999), é um estudo que, ao mesmo tempo em que é esmiuçado o processo de transformação e desenvolvimento da cidade e de suas políticas públicas, são apresentadas as contradições do espaço urbano pensado pelas elites e pelo poder público, que criou mecanismos que, ao mesmo tempo em que ordenavam a urbe, segregavam pobres, prostitutas, analfabetos e desocupados. Tem influências de Edward Thompson, com sua crítica ao marxismo estruturalista; e de Max Weber, com seu conceito de estratificação social. O livro é dividido em duas partes: A cidade do Fausto e A falácia do Fausto.

NOTA

(1) Análise retirada na íntegra do livro de Otoni de Moreira Mesquita, Manaus, História e Arquitetura – 1852-1900. Ele traça uma cronologia para a historiografia da borracha que vai de 1945 com Caio Prado Júnior até 1977 com Márcio Souza. No texto a cronologia se estendeu até 1999, com o trabalho de Edneia Mascarenhas Dias. Foram incluídos os autores Roberto Santos, Antônio Loureiro, Warren Dean e Bárbara Weinstein.