O fascinante Ernesto (publicado originalmente em 14/1/2017)

Ernesto é um sujeito irresistível. Aos 63 anos, é casado com uma cabeleireira nariguda. Leva sua vida totalmente banhada no agastamento. Mora em Olavarría, cidade do interior de Buenos Aires. Neste mar de indolência, de repente ele está com a companheira em um botequim e lhe aparece um sujeito.

Este lhe propõe o seguinte plano: leva-o a qualquer período de sua vida com a consciência e saberes dos 63 anos. Ernesto, se topar, deverá ficar dez anos na época passada e, na volta, terá como prêmio um milhão de dólares. Tentador. A concepção de ‘Querida, vou Comprar Cigarros e já Volto’ (2011) – aliás, a frase do título é a que o protagonista tem de dizer à esposa caso queira embarcar na viagem ao pregresso (à parceria, terão se passados meros 5 minutos entre estes dez anos) – é frugal e astuta.

Dirigida por Mariano Cohn e Gastón Duprat, baseada num conto do escritor Alberto Laiseca, a fita é o cruzamento de falso documentário com uma espécie de realismo fantástico. Sem explorar spoilers, Ernesto se mete em várias encrencas ao divagar pelos 50 anos (um dia antes de sua mãe morrer), a adolescência (tenta plagiar uma famosa música), e a fase de bebê.

De vez em quando, Laiseca surge na tela para deslindar determinados pontos e cutucar a sua cria. “Não adianta você ter o sonho de ir a Buenos Aires fazer fama. Lá é maravilhoso, mas se você for um merda, sua cidade será uma merda”, disse sobre Ernesto. Na verdade, a fixação do personagem em desfrutar de tudo o que ele não fez nos anos anteriores faz com que ele se desencontre. Quanto vale a sua existência?

O filme trabalha bem a bifurcação entre tentar corrigir aspectos desagradáveis e a ganância em somente querer a bolada, ao mesmo tempo em que tarefa de reviver a própria vida traz angústias antes inimagináveis. A Laiseca, Ernesto, por conta disto tudo, é ‘fascinante’. Emílio Disi interpreta-o de maneira singular.

Eusébio Poncela é o ‘homem raro’ que põe na mesa o plano a Ernesto. É imperdível porque o público pode até refletir sobre si mesmo: pra onde você iria se pudesse voltar no tempo sabendo tudo o que sabe hoje? Imagine você aos 20 anos com a sabedoria dos 60, e ainda levando um milhão de dólares! Fácil, não?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 23/01/2017
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