Sobre valores (publicado originalmente em 1/10/2016)

Thierry tem 51 anos e há 15 meses está desempregado. Faz cursos profissionalizantes, entrevistas por novas oportunidades (algumas humilhantes e estarrecedoras) e, quando finalmente arruma trabalho, a sua tarefa é exatamente devolver aos semelhantes igual grossura e o rigor de quando vivia ‘à toa’.

O filme francês ‘O Valor de um Homem’ (estreou no Brasil em maio – ‘estrear’ é modo de dizer, porque ninguém quase o assistiu) mostra como lidar com a desesperança em tempos de crise. Estrelado com muito esmero por Vicent Lindon, ganhador do prêmio de Melhor Ator em Cannes por este longa em 2015, e dirigido por Stéphane Brizé, a história tem a delicadeza exigida a esse tipo de roteiro.

Thierry é casado, tem um filho deficiente mental. Ainda tem certo dinheiro guardado, mas a angústia de ficar sem trabalho só o atormenta. Apesar disto, ele transparece ser tranquilo. Por exemplo: faz aulas de dança com a esposa. Tenta vender a casa móvel, e quando a negociação emperra logo desiste. Deve haver valor sentimental ali. Brizé, também responsável pelo script, soube explorar as minitragédias de cada um de nós.

Quem tem alguém em casa desempregado sabe das agruras e destemperos, e às vezes desespero por que passa essa pessoa. E Lindon empresta à personagem ares de elegância. É um homem comum, desgastado pela vida, todavia cheio de otimismo, se assim posso descrevê-lo bem. O emprego conquistado por Thierry, segurança num supermercado, é a perfeita antítese do seu perfil. Agora é ele quem argui os ‘gatunos’, os interpela duramente.

Trataram-no desta forma nas conversas em busca de chances. Um chega a lhe dizer: ‘Seu currículo está muito mal redigido. O senhor sabe: as suas possibilidades de ser chamado são de quase zero’. A degradação do ser humano quando se está na posição de defesa (‘Eu tenho flexibilidade de horário’, ‘Aceito diminuir meu salário’ etc) é a pitada de sal na água sem doçura de nossa existência.

Ao se ver no espelho ingrato, onde fica frente a frente com pessoas iguais a ele, Thierry, o segurança áspero e rígido, é impelido à emoção. ‘O Valor de um Homem’ nos faz rever a nossa própria trajetória. Vicent Lindon sou eu, você, podemos ser todos nós.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 04/10/2016
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