O Brasil está vivendo uma crise real

Mas, existiriam crises que não são reais?

Sim, existem as crises financeiras que consistem em variações em torno do tema da valorização sem lastro. Inventarei uma crise absurda para ilustrar o fenômeno (todas as crises financeiras são irreais e absurdas):

Inicialmente, começa-se a valorizar um ativo qualquer, imaginemos, em nosso exemplo, uma moda de arte e de valorização de pinturas, quadros artísticos de tipos variados. Vende-se um quadro por $ 100, que depois será o revendido por $200, $300… todos os quadros vão passando a se valorizar, valiam, somados, $1 bilhão, depois $2 bilhões, $ 3 bilhões… e a bolha crescendo! Imagine que depois de certo tempo, um montão de quadros que antes valiam $ 1 bilhão, passem a valer $ 100 bilhões. Trata-se, obviamente, de uma bolha; nada ocorreu, nada foi produzido, mas os quadros foram valorizados, constituindo uma enorme valorização de patrimônio. Valorizações despropositadas como essa acontecem, simplesmente, porque as pessoas são levadas a acreditar que o quadro (ou papel) comprado por $ 1000, poderá ser revendido depois por 2000.

Em dado momento, os insufladores da bolha começam a se livrar de seus quadros inflacionados, e vão abandonando o barco. Tendo se livrado de seus quadros, vendido-os por preços exorbitantes, retiram-se com seus bolsos cheios para contemplar a multidão de otários à distância. Logo, a bolha imensa não consegue mais se alimentar, então alguém percebe ter em mãos apenas um mico. Nesse momento, tenta vender seus quadros pelo preço milionário que pagou, mas só o consegue por migalhas. Todos fazem o mesmo. A bolha murcha, e os otários perdem tudo o que investiram, frequentemente as reservas acumuladas ao longo de toda a vida de trabalho. Bolsas de valores repetem, tradicionalmente, esse mesmo ciclo, após certo tempo (o intervalo, nas bolsas, vai aumentando, mas se repete sempre nos mesmos moldes, deixando o mico para assalariados que nunca tinham comprado ações antes).

Aproveitando-se da situação de descontrole gerada pela balbúrdia, e pelas perdas desesperadoras de tantos (nada foi perdido de verdade, nada real aconteceu, exceto o estelionato que impôs perdas aos otários que morderam a isca), instituições financeiras chantageiam governos (com os quais estão mancomunadas) declaram-se falidas, ameaçando dar o calote em suas dívidas, gerando uma sucessão de falências que destruiriam todo o sistema financeiro e gerariam o caos. Exigem dinheiro para evitar o desastre, repasse frequentemente autorizado por seus comparsas governamentais que abocanham parte da grana.

Anuncia-se a crise, brada-se o desespero. Os empresários em geral, aproveitam então o momento para se livrar de empregados indesejáveis. A repetição da palavra “crise” nos meios de comunicação torna aceitável a demissão de funcionários sem outra explicação: é a crise.

Curiosa e absurdamente, nada disso é real, exceto o sofrimento e o desespero dos mais pobres, os verdadeiros alvos do estelionato. Os ricos usam tais “crises” para tornarem-se mais ricos. Ao final, toda a crise, todo o ocorrido consistiu apenas de uma forma de estelionato, nada mais. São assim todas as crises financeiras.

Mas existem crises reais, ainda piores que essas. Estamos entrando em uma delas, no Brasil. Consistirá em um retorno ao século passado, explicarei:

O usurpador está, sistematicamente, desfazendo tudo o que foi feito nos últimos governos, recapitulemos o que aconteceu durante esse tempo.

Quando Lula foi eleito, o real começou a sofrer uma desvalorização contínua, até o dólar chegar a valer R$ 4,00, o que elevou o salário mínimo nominal histórico que se mantinha sempre em 70 dólares, até então. Quando, em seguida, o real recuperou seu valor, mais que duplicando sua paridade com o dólar (chegou a USD $ 1,50 ) o salário mínimo teve um aumento real inédito, multiplicando seu valor em dólares! (uma espécie de efeito colateral do evento). Simultaneamente, somou-se a isso a concessão de uma quantidade considerável de auxílios sociais distribuídos à população depauperada.

O resultado desses dois eventos conjugados foi a incorporação de uma enorme população anteriormente excluída do universo econômico. Correspondeu a uma espécie de mágica, à criação de um novo contingente populacional econômico brasileiro. Essas pessoas recém-incorporadas ao universo econômico, passaram a participar da economia, a comprar bens, o que induziu o crescimento de todos os setores econômicos, levando o país a um crescimento sem precedentes que perdurou por, aproximadamente, uma década.

O atual governo tem demonstrado buscar uma direção sistematicamente oposta a essa. Sua diretriz consiste na velha receita, utilizada durante as últimas décadas do século passado, as da estagnação econômica, de achatamento salarial. O valor de compra do salário mínimo tenderá a cair, assim como a quantidade de auxílios sociais. O resultado será a reversão das conquistas anteriores, e a reexclusão de parcela da população recentemente incorporada ao mundo econômico. Em decorrência, toda a economia reverterá aos níveis anteriores. Será uma crise real, na qual, tanto a produção de bens quanto o contingente populacional econômico efetivo serão reduzidos. Haverá uma diminuição real do Brasil econômico, não apenas uma redução financeira, como em crises artificialmente fabricadas. A situação é dramática.