POR QUE TEMOS QUE MORRER? (reflexões de um ex-zenbudista)

No começo dos anos 80 eu estava mergulhado 98,5% no zenbudismo (fase em em morei em Porto Alegre), após algumas horas de meditação profunda perguntei ao

Mestre Tzu que me assistia: - Mestre Tzu, se temos que morrer, por que temos de nascer?

O velho mestre sorriu e não respondeu. Levantou-se da posição de lótus na qual estva há muitas horas e indicou-me o caminho pelo jardim. Andamos alguns minutos por entre as árvores frondosas que adornavam o templo e diante de uma Araucária, deteve-se a contemplar a árvore que deveria medir mais de sete metros.

Então ele disse. - Veja como é linda essa árvore? Quem disse que ela se importa se ainda vai viver cinco minutos, dez dias, vinte ou cem anos? Ela está ali para ser vista, para ocupar seu lugar no Universo, não para ficar lá para sempre. A Vida a colocou ali e deve ter as suas razões. Tudo tem consequente e consequência. O que vemos, tocamos, sentimos ou experimentamos é consequência e uma pequenina parte da realidade. Nos é impossível vermos tudo. Não caberia em nossa mente finita.

- Mas essa árvore não sente, não pensa, não cria vínculos, não estabelece relações... - disse eu interrompendo o Mestre.

- Não do modo como estamos acostumados a pensar. Ela tem vínculos com os insetos e pássaros que nela se abrigam, com as plantinhas que se acolhem em sua sombra e até com o machado do lenhador que a cortará um dia para fazer a lenha que aquecerá a família no inverno. Enquanto está aqui, esta árvore e tudo mais vai cumprindo sua missão, mesmo que dure um segundo, um dia, um mês ou um século.

- Isso quer dizer que não importa o que façamos ou quanto tempo vivamos, seja como for, estamos cumprindo a nossa missão?

- Você está aprendendo Matzuo... (meu nome de batismo no Zenbudismo) finalmente você está aprendendo. O que devemos é ter a mente de principiante, desapegada da posse de qualquer coisa; uma mente que sabe que tudo está em processo de mudança. Nada existe a não ser momentaneamente, em sua forma e cor presentes. Uma coisa se transforma em outra e não pode ser detida. Antes que a chuva pare ouvimos o trinar de um pássaro. Sob o calor abrasivo do sol enxergamos os rebentos verdes nascendo outra vez. Tudo é transição... mudança. Apenas viva essa mudança sem preocupações. Faça o que sente o seu coração. Ele deve ser seu único mestre. Quando você não estiver mais aqui se lembrará desse momento e sorrirá feliz.

- Eu não quero nunca mais sair daqui Mestre Tzu.. quero me desapegar de tudo e viver nesse templo apenas meditando e vivendo em paz. - disse eu entendendo que o mestre previa meu afastamento do Zen.

O Mestre me abraçou afetuosamente e pela primeira vez vi lágrimas em seus olhos.

- Você não pertence ao Zen, Matzuo... Você pertence à Vida. Seu templo é você mesmo e o Universo. Está neste mosteiro momentâneamente para aprender e ensinar. Eu aprendo com você todos os dias. O que você me trouxe já é maior do que aquilo que já pude lhe oferecer. Dentro de poucos meses você seguirá seu caminho e nos deixará saudades... até esta árvore sentirá a sua falta. Não terá seus olhos de carinho por ela para contemplá-la. Não terá as vibrações do seu afeto e admiração por sua beleza. Mas você continuará dando a outras árvores esse mesmo carinho.

- Mas isso não deveria durar para sempre? Não deveríamos ter para sempre as coisas que amamos? - Indaguei limpando as lágrimas que também rolavam do meu rosto.

- Não... meu querido... não devemos ser ou ter nada para sempre. Seria muito egoísmo de qualquer pessoa, ser, coisa animada ou não... ficar para sempre em sua forma. Seria um castigo imperdoável da Vida. Neste Universo tudo é transição.. mudança... transformação permanente. Esse é o material que nutre a Vida. O que você pensa que é morte, nada mais é que uma parte dessa transição. Viva cada segundo dessa transição sem se preocupar com nada mais. Quando conseguir isso, descobrirá que aquilo que chama morte, não mais existirá. Você estará em paz com a vida e o Universo estará para sempre em você. Portanto, siga o seu coração, ele é o centro da sua existência. Compartilhe, ouça, aprenda, doe, mergulhe, caminhe, corra quando precisar, até voe se puder, mas faça apenas o que seu coração desejar. É dessa forma que você estará também cumprindo a sua missão.

O mestre estava certo. Um ano depois eu deixei o Zen e aquele mosteiro, mas o Zen não me deixou. As lições aprendidas naquele lugar fazem parte do que sou, mas sei que continuo em processo de mudança, até a última forma possível. Daquela data em diante eu decidi que eternizaria apenas um único segundo de amor que senti nesta vida... e por esse único segundo tudo teria valido a pena. Quantos segundos de amor podemos viver? MGonzalez
MGonzalez
Enviado por MGonzalez em 24/06/2011
Reeditado em 26/02/2013
Código do texto: T3054288
Classificação de conteúdo: seguro