A MEDIDA DA INSENSATEZ

É pouco provável que alguém, nos dias atuais, se arrisque a fazer piada ou ridicularizar uma pessoa negra ou com limitações físicas. O escárnio pode ser lido num olhar de desdém, mas ninguém ousa externar um pensamento sádico, pois a legislação determina a pena de reclusão a quem tenha cometido atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Quanto à questão da “deficiência”, qualquer “anormalidade” ainda é tratada por muitos sob a ótica da compaixão e da complacência. Desta forma, é preciso medir palavras, ponderar gestos e ações quando se está diante de alguém com uma dessas condições. Soma-se a isso a questão do bom senso; da lei da boa convivência. No entanto, não há proteção legal ou qualquer mecanismo de defesa aos vexames pelos quais o obeso passa nas ruas, nas escolas, nos ambientes de trabalho e, principalmente, nas redes sociais, diariamente. O gordo é sempre visto como um comilão preguiçoso, compulsivo, infeliz, doente, desconjuntado e rejeitado.

A sociedade, infelizmente, estigmatiza as pessoas e as enquadra em padrões. Imagine-se em volta de uma mesa, onde estão pessoas com diferentes olhos e olhares e com biótipos bem distintos; enfim, com as mais diversas combinações que a genética consegue moldar. Cada um começa a se servir. Alguém com o corpo considerado “perfeito”, assim que passeia os olhos sobre a comida, começa a discorrer sobre calorias. Fomenta o discurso com argumentos tais como: colesterol alto e níveis de triglicérides, depois, vai direto ao ponto: a forma física. E, diante do gordo, face a face, excomunga a gordura, amaldiçoa a iguaria engordativa; e desta forma, deixa bem claro o que pensa a respeito das pessoas obesas. E o gordo excluído e esconjurado, cuspido e pisado, lê nas entrelinhas que está sendo considerado feio, indigno, desprezível e doente. Ali, "na lata"! O pior de tudo é o eufemismo. Para não o chamar de gordo, pois a palavra agora tem a mesma intensidade de um palavrão, usa-se o sufixo “inho”; dizer gordinho parece suavizar, diminuir o preconceito. E, para justificar a discriminação e a "neura" pela magreza, alegam ser a obesidade a causa de maioria das mortes nos dias de hoje. O termo mórbido que define o alto grau de tecido adiposo é por si só um dedo na ferida e uma pedrada no ego. Segundo o dicionário, mórbido significa: 1. Relativo à doença ou a algo doentio. Palavra muito usada para retratar coisas soturnas, assustadoras ou fora do padrão de normalidade. Assusta, não?! O olhar do doutor Dráuzio Varella, quando aparece no Fantástico, expondo o “problema” a partir do seu olhar técnico, é um misto de medo e pena. É o mesmo olhar de quem anuncia uma catástrofe, uma peste perniciosa. Até parece que os magros têm vida eterna e que os cemitérios só abrem valas largas para enterrar gordos.

Essa reflexão não é uma apologia à gordura e aos hábitos alimentares desregrados. O que é preciso mostrar é que a condição biológica é apenas mais uma característica humana e não a mais importante. Bulimia, anorexia e tantas outras “ias” são tão preocupantes quanto colesterol alto e excesso de peso. O cigarro que definha é tão ruim quanto o sedentarismo do gordo, o câncer não escolhe forma física, assim como outras enfermidades; e todo mundo tem prazo de validade! O dia de nossa morte está marcado nas linhas do destino. Se não for causa natural, acontece qualquer coisa tola e a gente passa para o outro lado. Além disso, a busca pela saúde é um problema inerente ao dono do corpo. Só interessa aos outros, no caso, aos pais, quando o corpo gordo é infantil. Quanto à questão da beleza física, tudo é muito relativo e particular. Ser magro não significa exatamente ser bonito. Ter olhos bonitos não significa ter um olhar bonito. Tem beleza que vem de dentro para fora e que se materializa em palavras, gestos e ações.

A decisão de engordar ou de emagrecer, de ser longilíneo ou pocado, depende de cada um e do que pede o momento em que está atravessando. Sabe aquela canção que diz: "Se eu quiser fumar eu fumo, se eu quiser beber eu bebo, eu pago tudo que eu consumo, com suor de meu emprego..." Pois é! É por aí. “Sua beleza com o tempo vai embora”, cantou Waldick Soriano.

Se alguém quer perder peso para ter mais fôlego ou usar as roupas que ficam melhor em pessoas magras, que o faça. Cada um deve buscar aquilo te fará feliz. Mas, emagrecer tão somente para ser aceito e bem visto... não!

A vida é simples assim! Mas, tem gente que gosta de complicar.