A construção do espaço e da identidade na escrita feminina contemporânea

A construção do espaço e da identidade na escrita feminina contemporânea

Ao falar sobre a identidade feminina, e consequentemente o espaço que conquista na construção de seu discurso, é importante salientar que

“a identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente.

(HALL, 1999, p. 12-13)

A educação feminina, os conceitos de mulher e a posição da mulher na sociedade nada mais são que construções históricas. Os papéis femininos alimentam os pontos-de-vista da sociedade patriarcal, falogocêntrica, do sexo frágil, do sujeito que deve cuidar da casa e dos filhos, zelar pela família. No texto de Josênia Antunes Vieira (2005) encontramos uma citação de Jean- Jacques Rousseau – segundo Cornes (1994) – que versa sobre a educação feminina e que muito diz sobre essa construção desenvolvida historicamente:

A completa educação das mulheres deve ser relativa aos homens, para agradá-los, para serem úteis a eles, para que se façam amadas e honradas por eles, para educá-los quando jovens, para cuidar deles quando crescidos, para consolá-los e para tornar-lhes a vida doce e agradável. Estas são as obrigações das mulheres em todos os tempos e é assim que elas deveriam ser ensinadas desde a infância.

(CORNES, 1994, p. 105)

Até o começo do século XX, a mulher era o sujeito do espaço doméstico, do silêncio, da quietude que se relacionavam aos padrões sócio-culturais. É no período moderno, pois, que o sujeito massificado entra em crise, começam os indícios da fragmentação do sujeito que se acentua na era pós-moderna, através de uma forte crise da identidade construída até então: aquela que faz referência à cultura eurocêntrica e que perdurou por muitos anos. As nações buscam uma identidade própria, cortando e rechaçando os laços formados pelo eurocentrismo: branco, católico, masculino.

Essa crise é o resultado do questionamento da realidade mimética a partir do final -da década de setenta, nos países de primeiro mundo. A pós-modernidade advém da tecnologia informática, transformações que ocorrem sobretudo no que tange às questões do sujeito, ou seja, as mudanças sociais, os processos de identificação e o significado de gênero direcionam a mulher a penetrar no espaço até então do homem, porém sem alterar seu posicionamento social definido historicamente.

Temos na pós-modernidade o pós-colonialismo que reflete a minoria em relação ao cânone, à Europa. E nas nações minoritárias, a oralidade é a marca principal, ficando, pois, à margem, porque a escrita é o que dá voz, poder. Exclui-se a mulher na construção social do discurso falogocêntrico.

Na década de setenta inicia-se uma contestação desse cânone através da escrita, ou seja, pode-se desconstruir o que já está construído porque a linguagem é arbitrária – constrói a realidade do ser. E é justamente quem está na margem que vai se valer dessas desconstruções. A literatura feminina está no rol do minoritário e precisa se afirmar na sociedade para alcançar essa voz de poder, resultando na identidade. Logo, a primeira voz a contestar os preceitos foi feminina.

Na verdade, a voz e o poder formam o sujeito e consequentemente a representação. Romper as regras de domínio masculino é buscar uma identidade de igualdade além de aclamar a alteridade, a diferença. O objetivo do feminismo é “desconstruir os discursos patriarcais de representação do feminino”. (RICHARD, 1989, p. 63).

Judith Butler (1999) certifica que o gênero não é fixo, é construído culturalmente e adquirido tal como a identidade (móvel). O gênero masculino é o que tem voz ativa. A literatura feminina, então, precisa usar o discurso masculino para construir o seu próprio, isto é, a construção da identidade só existe na comparação com o outro. Vale lembrar, nesse momento, as considerações de Hall (1999): “aquilo que começou como um movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero”(HALL, 1999, p. 45-46); isto é, que a identidade feminina não é una, nem universal, depende de raças, classes, etnias. É nessa relação que se dá o questionamento identitário.

O sentimento de pertencimento à margem é o que faz com que os autores busquem representação social, busca-se autoridade. Compreende-se por margem autores femininos ou masculinos, visto que a literatura de margem compreende não só a feminina, mas também a homoerótica, a dos negros. A identidade é buscada quando está em crise com os outros indivíduos, por esses sujeitos oprimidos.

No discurso desses sujeitos observa-se, pois, a construção do perfil de minoria, perfis estes sempre negociados num processo de identidade e alteridade. A escrita feminina que também faz parte da margem mostra que os textos são os espaços de luta social, as identidades várias que o sujeito vai assumindo desconstroem e reconstroem os papéis na sociedade.

Referências bibliográficas:

BUTLER, Judith. Sujetos de sexo/gênero/deseo. In: CARBONELL, Neus; TORRAS, Meri (org.). Feminismos literários. Madri: Arco libros, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

RICHARD, Nelly. Teoría feminista y crítica de la representación. In: La estratificación de los márgenes. Chile: Ed. Francisco Zegers, 1989.

VIEIRA, Josênia Antunes. A identidade da mulher na modernidade. São Paulo: Delta, vol. 21, 2005.

Gi Medeiros
Enviado por Gi Medeiros em 15/10/2017
Código do texto: T6143203
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