Feijão e pesadelo

A recente escalada do preço do feijão tem pra mim o gosto de déjà-vu. E pela minha contagem, ocorre a cada cinquenta e tantos ou sessenta anos. Vi dia desses numa prateleira do Carrefourto uma bela embalagem de um quilo, dum roxinho à bagatela de 10,59 reais. Pensei em fotografar aquela preciosidade, mas temi a vigilância e algum constrangimento que pudesse advir daquele ato de espionagem. Nunca se sabe, nem mesmo o Gilberto, numKassab...

Voltemos no tempo. Eu nem era alfabetizando, vivia do arroz e feijão no Brumado quando vi tia Isabel, a Tibebé, adentrar nossa casa naquela hora matinal que separa o pão do almoço, toda esbaforida, de sacola de pano - vazia - à mão profetizar o fim iminente do mundo, enquanto questionava papai, com aquele senso do pavor que lhe era peculiar:

- Luiz, Luiz, é o juízo final, o feijão pulou de 16 para 20 cruzeiros o quilo! Estamos perdidos, nem o dilúvio soares contabilzou tanta desgraça...

Papai, que tinha bom espaço de quintal ainda ocioso e uma horta que já dera até uma superprodução de alho e não mais que sete bocas para alimentar, tranquilou a irmã mais velha, sem lhe melindrar a vocação profética.

Falou-lhe de entressafra, da imprevisibilidade climática - o El Niño ainda não era nascido - e da conseqüente gangorra de preços numa economia de mercado. Mas sem usar nenhuma dessas palavras. Tibebé sofreou seus soluços e quando saiu de nossa casa pra fazer seu almoço estava convencida de que até o cará podia ser uma solução temporária.

Marcado por aquele edificante, mas pressagioso diálogo, eu, à medida que ia galgando os degraus escolares, cuidava de me orientar sobre a segurança alimentar. Pelo menos como a ditavam os compêndios. Queria obviar um novo susto a Tibebé que, cardíaca, não podia ser surpreendida por fortes emoções.

E aprendi, por exemplo, que o Paraná, daqueles anos cinquenta e sessenta era o maior produtor nacional de feijão. E que na produção desse grão era o Brasil o campeão. Paulatinamente, o feijão deixou as terras roxas para o café, avassalador que é, e foi achar solos férteis até na Bahia, tendo o município de Irecê como sua capital.

Em algumas crises menos retumbantes que se seguiram ao episódico brado de Tibebé, vim a saber que já havíamos perdido a primazia da produção mundial e que, vez ou outra nos socorríamos com as importações do frijol mexicano. Isso antes que os nossos hermanitos da terra da tequila resolvessem investir em plantações de retorno mais seguro e imediato, como, por exemplo, a erythroxylum coca, ou a cannabis sativa.

Mas e agora, sem Tibebé para dar o grito de alarma? Que fazer? Nem papai tá mais aqui pra dar uma palavra de encorajamento, de esperança...

Vai ver o mundo acabou, e sem razão, a Temer estou...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/06/2016
Reeditado em 29/06/2016
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