O NASCIMENTO DAS APAES
 
As raízes do movimento
 
A preocupação com a inclusão social das pessoas com deficiência cresceu no bojo das políticas públicas que buscavam a recuperação e a reintegração das pessoas mutiladas pelas guerras. A Inglaterra, país devastado por duas guerras mundiais em apenas uma geração foi uma das nações que mais sofreu com esse problema. Tanto que, já em 1919, no término da primeira guerra mundial, os ingleses já haviam criado a Comissão Central da Grã-Bretanha para o Cuidado do Deficiente. Essa comissão, que viria servir depois de inspiração para os estatutos desenvolvidos pelas Nações Unidas em relação aos cuidados que devem ser dados à pessoa deficiente, tinha por meta justamente o desenvolvimento de políticas públicas e a mobilização social para a busca de soluções para esse problema. Destarte, todas as conquistas e resultados obtidos por essa Comissão seriam incorporadas aos programas do chamado Welfare State, ou seja, a política de desenvolvimento social e bem estar público praticada pelas nações de cultura inglesa desde então.
Foi, portanto, a partir desse start dado pelos ingleses e americanos, em consequência principalmente da necessidade de reintegrar na sociedade os mutilados de guerra, que a questão da pessoa com deficiência passou a ser objeto de debate público e entrou na preocupação dos governantes.
 
Temos assim, nesse breve sumário, uma visão geral da questão que envolve as pessoas com deficiência, ao longo da história da nossa sociedade. É possível ver, nesse histórico, como ela evoluiu, entre marchas e contramarchas, até chegar ao momento em que vivemos. Da eliminação física, por meios cruéis, como se fazia em Esparta e nos primeiros séculos de Roma, aos porões e fogueiras da Inquisição, como ocorrria na Idade Média, ao tratamento humanitário que se procura dar hoje, uma longa, heterogênea e irregular trajetória pode ser traçada. Essa trajetória pode até servir de elemento para fins de análise do desenvolvimento espiritual das sociedades. Pois é no trato  que uma sociedade dá às pessoas menos favorecidas pelas suas condições de nascimento que podemos aquilatar o grau de humanismo que ela realmente alcançou. O preconceito,  a rejeição e o descaso com que se trata as pessoas com deficiência, em algumas sociedades, é um claro indicador da barbárie que ainda subsiste no ser humano, a despeito de todo o progresso científico que de nos ufanamos hoje.
Isso significa que ainda temos muito que avançar nessa questão. Ainda contabilizamos, nos dias de hoje, muitos exemplos de discriminação, rejeição e maus tratos á pessoas com deficiência. E é nesse sentido que este nosso trabalho quer chamar a atenção dos leitores. Por que é nesse esforço pela  humanização e na luta pela inserção social desse segmento de população que se situa o magnífico exemplo dado pela APAES.
 
A APAE no Brasil
 
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais é um movimento que aqui no Brasil sempre se destacou pelo pioneirismo de suas ações e excelência dos seus resultados. Trazida ao nosso país pela americana Beatrice Bemis,  teve o seu primeiro núcleo implantado no Rio de Janeiro, no dia 11 de dezembro de 1954. A senhora Beatrice era membro do corpo diplomático norte-americano e mãe de uma menina portadora de Síndrome de Down. Nos Estados Unidos, essa senhora já havia adquirido larga experiência no tratamento de pessoas com esse tipo de deficiência, pois participara da fundação de cerca de duzentas e cinqüenta associações de pais e amigos dos excepcionais. Ao ver que não existia no Brasil, nessa época, uma única organização não governamental, ou mesmo de Estado, que tratasse exclusivamente desse problema, resolveu liderar um movimento para prover essa necessidade. Foi então que ela reuniu um grupo de pais, amigos, professores e médicos, alguns deles com experiência nesse ramo - seja por terem, em suas famílias, pessoas, naquela época chamadas de excepcionais, ou por terem interesse social ou profissonal no problema - e fundou a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE no Brasil. A primeira reunião do Conselho Deliberativo para esses fins ocorreu em março de 1955, na sede da Sociedade de Pestalozzi do Brasil, no Rio de Janeiro. Essa associação, que já fazia um trabalho semelhante ao que a Senhora Beatrice queria desenvolver, embora não apenas nessa área específica, colocou a disposição do grupo parte de um prédio que ela possuia, no Rio de Janeiro, para que ali o grupo instalasse uma escola pra crianças excepcionais, sob a orientação do professor La Fayette Cortes. Vinte crianças foram admitidas nessa primeira fase, as quais eram trabalhadas em duas classes especiais. Logo a escola admitiu novos alunos, os quais se tornaram adolescentes, exigindo o desenvolvimento de novas atividades, criativas e profissionalizantes, para atender a necessidade de inclusão desses jovens na sociedade, já que apenas a adaptação deles no meio social não se mostrava suficiente. Surgiu, assim, a primeira oficina pedagógica desenvolvida pela APAE no Brasil, tendo por atividade a carpintaria. Essa oficina teve uma grande participação da professora Olívia Pereira, a qual programou e desenvolveu o programa pedagógico que iria ser aplicado durante vários anos. Logo surgiram outras APAES pelo Brasil afora, inspiradas nesse movimento iniciado no Rio de Janeiro. No final de 1962, já eram dezesseis entidades desse tipo trabalhando especificamente no processo de educação, desenvolvimento e inclusão dos portadores de Síndrome de Down. Doze delas estavam em cidades do Estado de São Paulo.
     A partir de 1962 o Movimento Apeano se expandiu pelo país inteiro, atraindo milhares de voluntários e profissionais, não só de famílias com pessoas portadoras desse tipo de deficiência, mas também professores, psicólogos, médicos, agentes sociais e outros tipos de profissionais sensíveis á esse problema. Hoje, decorridos mais de sessenta anos da fundação do movimento Apeano , são mais  de duas mil APAES espalhadas pelo Brasil. Esse pode ser considerado o maior movimento filantrópico do país e um dos maiores do mundo, na sua área específica de atuação. Em pouco mais de meio século ocorreu uma multiplicação verdadeiramente notável de APAES pelo país inteiro, e o Brasil, nesse aspecto é hoje um dos países mais bem aquinhoados em termos de organizações trabalhando nesse campo especialíssimo de educação. Este crescimento vertiginoso deve muito á atuação do sistema federativo criado pelas APAES. Todas, de uma forma geral seguindo uma mesma linha filosófica, permitiram a criação de um sistema de aprendizagem e inclusão que vem obtendo os melhores resultados. Através de promoção de congressos, encontros, cursos, palestras, seminários e simpósios, as experiências entre APAES tem sido trocadas e disseminadas, proporcionando uma ampla oxigenação do sistema. Ao mesmo tempo, os resultados e excelência do trabalho realizado sensibilizam a sociedade em geral, atraindo cada vez mais a cooptação de voluntários e parceiros dispostos a colaborar com as APAES.
Não obstante, a crônica falta de recursos, que dificultam a performance da maior parte da rede filantrópica do Brasil, também atinge a APAE. Não raramente as APAES de todo o país se vêem a braços com dificuldades financeiras, que principalmente nos momentos de crise econômica, como a que ora assola o nosso país, prejudica em muito os resultados que poderiam ser obtidos. É nesse sentido que a história desse movimento, e tudo que ele significa na existência de pessoas, que outra forma, continuariam suas vidas á margem da sociedade, precisa ser divulgada e colocada no seu devido patamar valorativo, para que toda a sociedade conheça e possa, de alguma forma,ajudar a manter e desenvolver esse trabalho tão dignificante.

________________________

Nota
Este texto é uma introdução preparatória ao livro dos cinquenta anos da APAE em Mogi das Cruzes. Quem tiver alguma informação sobre a história da APAE em Mogi das Cruzes, sobre seus fundadores, alunos que foram orientados nessa organização e conseguiram sucesso em sua inclusao social, ou qualquer outra experiência envolvendo a APAE Mogi das Cruzes, e quiserem prestar algum depoimento a respeito, entrar em contato conosco por este site. A APAE agradece.