Lírios doentes

Precisamos urgentemente falar sobre os lírios doentes: Um grito abafadíssimo.

Trecho extraído da peça "A Morta" de Oswald de Andrade:

Somos um colar truncado

Quatro lirismos

E um só lírio doente

Num país dissociado

Da existência estanque.

As minas se sustentam nas manas, fogem dos manos e se encontram nas monas.

Não é normal ter medo de ser mina.

Nem ter tanto pavor de macho. O carro para e o coração dispara. Andar na rua e ouvir buzinadas extremas. Cada olhar, uma facada. Se mata, gata. Dançar em balada é tabu, os caras invadem com o olhar, com as mãos e com tudo que exprima o falo de suas bocas nojentas. As manas choram assistindo à cena de uma peça. Parece que o mundo vai acabar. Um cara goza no teu ombro sem consentimento. Ser mina é ter desespero de andar em qualquer lugar. É querer se matar antes que o próximo cara se aproxime na rua. É sentir mãos-bobas por toda parte num transporte público. Todas têm medo de pedir pro cara com as pernas arreganhadas fechá-las. Ser mina é não ter paz, porque onde você olha tem macho querendo tirar a mesma de ti.

"Eu me jogo seminua da minha posição social abaixo"

Os ouvidos sangram:

Aos 9: Tá virando mocinha, olha o peitinho crescendo pros homens.

Aos 10: Logo menstrua e pode dar um filho para seu marido.

Aos 11: Se jogar bola vai crescer pinto em você.

Aos 12: Aprendeu a cozinhar, pode casar.

Aos 13: Se falar palavrão vai morrer sem marido.

Aos 14: Tá muito curta essa roupa, já tem idade pra ser estuprada.

Aos 15: Seu irmão adotivo pode fazer mal pra você, não quero shorts em casa.

Aos 16: Não vai para a festa, vai acabar dando pra alguém.

aos 17: Deu pro homem sem ele assumi-la, é só mais uma puta.

Aos 18: Sua idade só deixa todo mundo te comer.

Aos 19: Namora um homem mais velho, interesseira.

Ser mina é saber que toda mulher tem problema de voz por forçar o grave para se impor. Porque se o tapa não vem da mão, ele vem do xingo.

Há homens os quais me fazem acreditar que as coisas serão diferente um dia. Mas andar nas ruas ainda me faz querer a morte, porque somos todas Beatriz.

Classicisa
Enviado por Classicisa em 05/10/2017
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