Legião

Vou postar aqui o primeiro capítulo de um novo livro que estou trabalhando.

Sou autor do livro PELOPONESO (Ed. Baraúna, 2010), e gostaria da opinião dos leitores aqui do Recanto das Letras.

O livro tratará do período de reformas do exército romano realizadas por Caio Mário. Essas reformas possibilitaram que Roma se tornasse o império mais importante já surgindo na Terra.

Notas do autor

No dia 6 de outubro de 105 a.C., no povoado de Aráusio, atual Orange, França, cerca de 100 mil romanos perderam suas vidas naquela que ficou conhecida por Batalha de Aráusio, se caracterizando no maior desastre militar da História de Roma.

Prólogo

Roma. A cidade fundada por Rômulo, que cresceu às margens do Tibre e que derrotou gregos e cartagineses consagrava-se em uma força crescente jamais vista no mundo antigo. Homens como Fábio e Marcelo, conhecidos como o escudo e a espada de Roma; Emílio Paulo, o conquistador da Macedônia e Cipião Africano, o algoz de Aníbal, forjaram ao longo dos séculos um Estado que parecia não poder ser contido.

A influência dos romanos já era sentida na península ibérica, sul da Gália, Sicília, África e Grécia, assim, a anteriormente pequena cidade edificada sobre o Palatino, que tinha a fronteira determinada por uma simples vala cavada pelo próprio Rômulo, parecia agora não mais conhecer limites. Todavia, ao norte, tribos se movimentavam.

Rumores de uma confederação de povos germânicos que se aglutinavam com claras intenções de invadir as terras romanas não soavam bem aos ouvidos de uma população já cansada pela guerra contra Jugurta, da Numídia.

Teutões, cimbros, ambrones e tigurinos somavam-se em um espantoso número, que, se os rumores estivessem corretos se aproximavam de um milhão de pessoas. Essa multidão errante fazia tremer as pernas até mesmo dos mais corajosos soldados.

O Senado precisou se reunir. Se tal força realmente invadisse a Itália sem que Roma estivesse pronta para enfrentá-la, nada poderia ser feito. O glorioso futuro que esperavam para sua cidade iria desaparecer diante a fúria bárbara. Assim, o cônsul Cneu Málio Máximo e o procônsul Quinto Servílio Cipião foram designados para conter o ímpeto dos germânicos. Juntos comandariam quase 150 mil homens.

Ao deixarem a cidade, os dois comandantes marchavam para acabar com o inimigo e determinar de uma vez por todas a soberania de Roma sob os demais povos, gravando para eternidade seus nomes. Entretanto, o destino os reservava algo bem diferente da glória.

Capítulo 1

Suas pernas já não aguentavam mais, precisavam parar. Correr foi a única e desesperada chance que vislumbraram para sobreviver. Então correram, muito, mas não podiam mais.

O primeiro desabou exaustou. Os outros dois o acompanharam, só não queriam ser os primeiros a fazê-lo. Os três se entreolharam. A respiração estava ofegante e o ar frio daquela tarde de outono mal preenchia seus pulmões.

A fome já não os incomodava mais. Fazia muito tempo desde que saíram do acampamento e foram postos em formação. Devia ter se passado várias horas desde o momento que o exército foi desbaratado pelo inimigo, mas eles não tinham certeza de quantas, só sentiam que o preço da debandada estava sendo cobrado.

- Temos que ir – rompeu o silêncio o primeiro. – Ainda devem estar nos perseguindo, não é seguro permanecer aqui.

- Não posso seguir. Minhas forças se foram e se for para morrer aqui, aceito meu destino – disse outro que estava deitado com as costas no chão. Seu rosto sangrava não se sabia se por feridas provocadas pelo inimigo ou em decorrência da fuga.

- Está tudo acabado – afirmou o maior dos três e que estava sentado com a cabeça escorada em um tronco de uma árvore. Seu olhar era vazio e desesperançoso. – Vocês viram o que aconteceu lá. É o fim da República. Ninguém pode deter essa gente. É o fim para nossa Roma.

- Não. Ainda não é o fim – discordou o primeiro levantando-se ainda com dificuldades. Ele era o único dos três que ainda portava sua espada e armadura completa. O escudo era muito pesado e já havia sido abandonado no início da fuga. Os outros carregavam apenas a espada na bainha. – Precisamos voltar à cidade e contar ao Senado o que aconteceu para que as devidas medidas sejam tomadas.

Antes que pudessem continuar a discussão a algazarra feita pelos perseguidores pode ser ouvida mais uma vez para desânimo dos moribundos soldados.

Relutantes, os outros dois ficaram de pé para continuar a tentativa de escapar.

A sede por sangue não parecia ter fim para aqueles bárbaros. Pelo menos era o que pensavam agora os poucos que conseguiram escapar do massacre. Primeiro, aniquilaram o ataque de Cipião e em seguida saquearam seu acampamento indefeso. Não satisfeitos, lançaram-se em uma torrente furiosa contra os homens de Málio já aterrorizados, pois haviam visto o destino dos soldados do procônsul.

Posicionados com as costas para o Ródano, um rio caudaloso que nascia nas terras dos helvécios e que desaguava próximo a cidade de Aretale, na Gália Narbonense, as legiões de Málio resistiram por um breve momento, porém, quando o flanco direito, desprotegido por sua cavalaria que não podia manobrar naquele terreno, ruiu, houve um evento cascata, todos tentando fugir para proteger suas vidas.

Aqueles que não eram mortos na fuga, lançavam-se sem sucesso ao Ródano. Os que não se afogavam devido ao peso de seu armamento, eram mortos pelos dardos e flechas dos cimbros.

Serpenteando as árvores, eles puseram-se em fuga por mais um tempo, mas sentiam o inimigo cada vez mais próximo. Os tribais do norte estavam dispostos a aniquilar o máximo de homens possível. Era como um troféu, uma honra que poderiam gozar durante as bebedeiras que seguiam após as vitórias.

Não demorou para que encontrassem as margens do rio mais uma vez. Havia chegado o fim.

- Vá Sertório, você precisa chegar a Roma e contar o que aconteceu aqui – disse o homem grande enquanto esfregava as duas mãos no rosto como se buscasse coragem. – Pode ser que não tenha sobrevivido mais ninguém.

O outro soldado não disse nada, mas assentiu com a cabeça e desembainhou sua espada.

Sertório os encarou por um instante, mas logo ouviu-se os xingamentos e gargalhadas.

- Roma Victrix¬ – disse Sertório os cumprimentando.

- Roma Victrix – responderam uníssono.

Ele então se virou e entrou no rio já coalhado por corpos dos soldados mortos a quilômetros dali. Não olhou para trás. Sabia que não mais os veria, mas agora sua missão era permanecer vivo para avisar ao Senado sobre a desastrosa derrota sofrida.

À medida que entrada no rio, Sertório percebia que sua armadura era tingida de vermelho, como se o próprio Ródano fosse feito de puro sangue: sangue romano.

Adalberto Vargas
Enviado por Adalberto Vargas em 30/07/2017
Código do texto: T6069641
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