ESCOLHAS

 
(Considerações sobre a obra de Lucinda Riley, A  Garota do Penhasco. Tradução de Henrique Amat Rego Monteiro. Ribeirão Preto, SP: Novo Conceito Editora, 2013)
Maria Teresa Freire
 
Inicio pelo final. Contraditório, talvez. Na realidade, não há final.  Há uma abertura para o entendimento de que a vida se desenrola de forma esperada às vezes, inesperada tantas outras. O desenvolvimento da narrativa baseada na esperança é inspirador. Aurora, a garota do penhasco, inicia a história. História sim, pois narra a trajetória de duas famílias, entrelaçadas por mais de um século, envolvidas nas turbulências históricas mundiais, com encontros e desencontros, com amores e rancores.

Tenho que inserir as palavras de Aurora, pois são determinantes para entender a delicadeza sentimental da obra. Amadurecendo, ela compreendeu que “um conto de fadas é uma alegoria sobre a grande dança da vida de que todos participamos, desde o instante que nascemos”. Como ela mesma define, a história “tem um tema predominante, que obviamente, é o amor e as escolhas que todos fazemos por causa desse sentimento”.

Tem-se a nítida impressão de que os planos feitos para nossa vida não estão em nossas mãos. Os acontecimentos se sucedem como orquestrados por um Maestro que vê e planifica a nossa trajetória desde o momento em que nascemos até nosso último suspiro. Assim pode ser nas nossas vidas, assim o é neste texto pujante, forte, sentimental e com uma mensagem de compreensão, aceitação, familiaridade e sobretudo amor, um amor incondicional.

As histórias familiares se integram desde o nascimento de um bebe adotado, uma menina, Anna, no final de 1918 e criado na família Lisle, sob o apadrinhamento do rico e elegante e com alto cargo no Ministério dos Negócios Exteriores da Inglaterra, Lawrence Lisle. Entretanto, ela é cuidada por Mary Swan, camareira, uma intrépida mulher, que assume atitudes e iniciativas que defendem a pequena Anna de uma vida solitária e amarga, em um internato, decisão tomada pela mulher de Lisle. Ele parte para Bangcoc como Cônsul Britânico, levando a esposa, mas deixando a garota entregue aos cuidados, melhor dizendo aos descuidos de um colégio interno.

Entretanto, Anna foge e retorna para Mary, que passa a cuidar dela como verdadeira mãe. As duas, vivem sozinhas, a custa do trabalho de costureira de Mary. A vida lhes oferece um alento quando Mary encontra um segundo amor para sua vida, pois havia perdido o noivo amado na guerra. Agora casada, Mary Langdon, seu marido e Anna, os três experientes nas amarguras das circunstâncias vivenciais, formam uma família amorosa, completada com outra filha que Mary tem nesta sua fase de vida.  E dessa forma se inicia o entrosamento das duas famílias.

Todavia, a fases boas não são eternas, assim com as ruins também não. O marido de Mary morre, e ela tem que disputar com a família dele o direito de receber o que herdou por matrimônio. Finalmente, ela consegue um acordo financeiro razoável e retorna, com as filhas, para sua terra natal, a Irlanda. Todavia, o talento de Anna para a dança, encarrega-se de colocá-la nos palcos famosos do mundo.

Aurora nos narra a história. Anna, que se torna uma famosa bailarina, era sua avó. E por sua vez, Aurora conhece Grania, bisneta de Mary Langdon. E assim, tantos anos mais tarde, as famílias voltam a se enredar, dessa vez por meio de Grania e Aurora, cujo relacionamento será de mãe e filha.  

A jovem Aurora reflete sobre a sua história e vê que o amor não é capaz de superar terríveis ferimentos infligidos a uma pessoa no passado. Ela começa a entender que a dor nos dá força e sabedoria e faz parte da vida, assim como a felicidade. Tudo tem seu equilíbrio natural, e como saberíamos que somos felizes se não passássemos por algumas tristezas de vez em quando? Ou nos sentíssemos saudáveis se nunca ficássemos doentes?

Como entender a beleza? Aurora deixa essa questão para outra personagem, a mãe de Grania, que se questionava sobre a pouca importância do que se é por dentro – bom ou mau -  por causa da embalagem que dá vantagem. Mas, também pode causar vulnerabilidade, pois possivelmente o excesso de uma característica que as pessoas tem seja tão ruim quanto a sua falta. De qualquer forma, podemos ter um ponto vulnerável.

O conteúdo da obra nos leva a refletir sobre quantas pessoas tem que superar a dor de viver por conta de seus infortúnios, de suas doenças, das circunstâncias que as envolveram, de seus temperamentos e sua maneia de ser. Os acontecimentos da infância e da juventude interferem permanentemente nas vidas das pessoas, sejam eles positivos ou negativos.

E sobre premonição? Tanto se debate sobre isso! Aurora tinha-a muito forte. Talvez tivesse certa mediunidade, pois ‘sentia’ as pessoas, ‘sabia’ o que se passava com elas. Foi assim que percebia a doença de seu pai, que antes de morrer, ainda jovem, casou-se com Grania para dar à sua filha a segurança e o carinho de uma família.

Os sentimentos afloram na obra em quase todas as páginas. Grania, incerta sobre as decisões em relação à sua vida, entende que depende de cada um de nós criar o próprio destino. É possível ser assim? E as tais circunstâncias inerentes à vida que acontece com tantos e que impedem que decidam seus destinos? Afortunados aqueles que podem decidir livremente.

Aurora, uma criança vivida, uma criança ‘velha’ pois entendia a vida com muita sabedoria, que muitas vezes nem adultos tem. Mas, sua personalidade transparente, meiga, preocupada com a felicidade daqueles que amava se surpreendia com o fato dos adultos não conseguirem dizer o que pensavam. Via esse fato, pois passara sua infância entre adultos, que, incapazes de se comunicarem sofriam por dentro por amar a outra pessoa. O orgulho, a raiva e a insegurança podem facilmente acabar com a chance de uma felicidade possível. Para as diversas situações da vida tem-se que tomar a iniciativa para que, com fé e confiança, seja possível apresentar soluções. A vida é curta e quando se olha para trás é melhor ter o menor número de arrependimentos possível.

E é a querida e amada Aurora que documentou toda a história das famílias e dela própria, com um sentimento forte de finitude, pois está gravemente doente e falece aos 16 anos. Entretanto, sua narrativa é densa em sentimentos, inspira reflexão sobre os aspectos da vida e da morte. Mas, sobretudo, nos impacta com a mensagem de amor, aquele que se empenha em ver feliz quem se ama. Que se doa, sem cobrar e por isso mesmo recebe de volta. Um amor que pode continuar além da vida.

Como escreve Aurora, “Mamãe, procure acreditar que nada nunca acaba, em especial o amor.”
 

 

 
Tereza Freire
Enviado por Tereza Freire em 05/06/2017
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