MÚSICA PARA PENSAR(Gilson Chagas)
Por Adalberto Lima
 
Diante da repressão imposta pela ditadura militar dos anos 60 e 70, um jovem mal-nascido sonha ser gente um dia e depois de malfadado show de estreia em sua terra natal, arruma as malas e vai em busca de seu sonho no eldorado brasileiro - a grande São Paulo - , como está dito no capítulo 31: “Não seria, porém, ingrato para negar seu próprio crescimento nesses anos de São Paulo. Inclusive um bem visível: quatro centímetros somados à estatura com que aportara no Brás. Chegara à capital com dezoito anos e deficiência de cálcio...”

Quantas leituras podem ser feitas do “crescimento nesses anos  de São Paulo”. Joca cresceu apenas quatro centímetros em sua estatura? Joca realizou seu sonho e cresceu profissionalmente? É preciso ler para crer.

A música está presente em todos os capítulos e porque não dizer, logo no prefácio apresentado pelo então cantor Frank Aguiar – figura bastante conhecida no meio artístico e no cenário político - tudo a ver com o personagem principal do  romance.  Certamente, a cegonha não o depositou em berço de ouro (por isso, mal-nascido), resta, pois, ao nordestino como Joca , Luis Gonzaga e tantos outros, “lutar forte e bravo e viver como escravo, nas terras do sul”.

Música para Pensar toca fundo no leitor que busca entretenimento e encontra, além disso, uma fonte do saber, como técnicas  abordadas, durante as falas dos personagens, apontando para a melhor forma de escrever um romance: não perder de vistas o aspecto temporal, entre outras...  E, no tocante ao perfil de Remedinha, afinal, Medinha é ou não é comunista? Essa conclusão ficará a cargo de cada leitor, depois de dialogar com Dr. Josafá, Neném Boa Sorte e até mesmo sentir a dúvida de Joca em relação à “amiga”.

O aspecto formativo da obra aparece também em situações como esta: “Os Beatles, Rolling Stones e outros, compunham música futurista - música para pensar: a arte como meio de transformação. Aliás, a arte e a política têm vocação utilitária. Só assim têm validade” [...] “Roberto Carlos faz música de consumo, tem objetivo comercial. Sem dúvida, influi nos costumes da juventude, mas sabe Deus se para o bem.” (MPP., p.39.)

A literatura como arte, também pode ser considerada clássica ou de consumo (de massa) e valer-se do mesmo conceito descrito em Música para Pensar. Naturalmente, não posso antecipar muita coisa nesta análise , sob pena de transformá-lo num resumo da obra, o que de certa forma, poderia surtir efeito contrário ao desejado: retrair a vendagem, em vez de expandi-la. Também não pretendo resenhar, emitindo minha opinião, pois sou apenas leitor, embora leitor-crítico, ou quem sabe, nem isso, diante de uma obra que apresenta muitas leituras.

Não quero dizer que lendo o resumo, o leitor despreze a obra por não considerá-la boa, mas pode ser colhido por uma desvontade de ler, achando que já conhece toda a obra, apenas porque leu parte dela no resumo.  Contudo, evocando a arte de Zé Luís (personagem) em fazer fichamentos, antecipo que Medinha traz o requisito de uma personagem redonda, cujo conceito, sutilmente, os personagens nos dão de presente na dialogicidade com Machado de Assis:
 “... Bem, ele tentou me provar que aquele mistério do ter ou não ter havido traição era truque do romancista. Dizia ele tratar-se de ‘personagem redonda’ e que fica a critério do leitor refletir sobre ela, e, quem sabe, desvendar seus segredos...” (MPP.,p.58).

Finalmente, antecipo mais ainda que, o show de estreia reaparece treze anos depois, na praça Pedro II em Teresina. Gilson Chagas - Música para Pensar.