Rimbaud, O Gênio Indomável

O maior de todos é Rimbaud – Vinicius de Moraes

Arthur Rimbaud (1854-1891) nasceu em Charleville, França. Poeta precoce, ele criou alguns dos versos emblemáticos da literatura mundial entre os dezesseis e vinte anos. Nada mais natural para quem já compunha versos em Latim na escola. Embora se diga, de modo didático, que suas obras pertencem à escola simbolista, ele foi muito mais além. Seu espírito vanguardista nos impede de enquadrá-lo neste ou naquele movimento.

A despeito dos seus traços delicados de menina, Rimbaud era um demônio. Quem diz isso é seu próprio amante, o também poeta Paul Verlaine (1844 -1896) - um desequilibrado – que largou a mulher para viver um romance conturbado com o poeta de Charleville. A ruptura entre os dois se deu de maneira dramática. Verlaine, apesar de amá-lo, ou por isso mesmo, tentou matá-lo, pois não poderia suportar a ideia de perder seu ídolo. Essa história trágica está registrada no filme - meia boca, diga-se de passagem - Total Eclipse, de Agnieszka Holland.

O poeta francês é a expressão máxima do enfant terrible, isto é, do adolescente rebelde e desajustado. O encanto de sua poesia, em parte, se deve à fúria juvenil com a qual escrevia. Por conta disso, influenciou os modernistas (Mario de Andrade, Hemingway), os surrealistas (André Breton), os beatniks (Jack Kerouac, William Burroughs) e outros "porra-loucas". A poesia moderna, ao contrário do que sustentam os acadêmicos, não nasceu com Baudelaire, que escreveu também versos magníficos e ousados, e sim com Rimbaud (e Verlaine), mais precisamente quando escrevem o famoso “Sonnet du Trou du Cul” – cuja tradução omitiremos para não chocarmos os puristas. A partir daí tudo seria permitido.

Como desprezasse os parnasianos, os caretas, e principalmente Musset, Rimbaud se propôs a iniciar uma nova forma de conceber a poesia - e de vivenciá-la - e registrou isso numa carta enviada a Georges Izambard, que ficou conhecida como Carta do Vidente e se tornaria uma espécie de Manifesto Surrealista não oficial. Nesta, ele diz que "O poeta se faz vidente por meio de um longo, imenso e estudado desregramento de todos os sentidos". Nada que um pouco de ópio e absinto não resolva, não é? Segundo Rimbaud, o poeta era o ladrão do fogo, ou seja, aquele que traria luz aos homens, em alusão ao mito de Prometeu.

Autor de imagens belíssimas e poéticas, Rimbaud via beleza até onde aparentemente era impossível ver, como no caso de uma vaca defecando. Quando escreve, por exemplo, sobre como “bolinava” a filha do vizinho aos sete anos de idade, ou como mijava "para os escuros céus, longe e em profundidade" após ter tomado umas "trinta canecas" nos traz a sensação de que tudo é poesia; só depende do observador.

Rimbaud é, às vezes, inacessível. Não podemos compreendê-lo em sua totalidade, apenas senti-lo. Quem se propõe a esta tarefa de "explicá-lo" pode estar se metendo numa enrascada. Na sua prosa poética batizada de “Iluminuras”, em particular, tem tantas ideias vagas que não podemos afirmar o que ele quis realmente dizer em determinadas passagens sem parecermos tolos pedantes.

A revolução a qual ele pretendia realizar nas Artes também se estendia a outros aspectos da vida, entre os quais a política, de forma que se juntou aos "comunnards" e alistou-se como franco atirador na Comuna de Paris (1871). Experiência durante a qual saíram poemas revolucionários como As Mãos de Jeanne-Marie e Orgia Parisiense. Deste último destacamos:

"E quando estiverem no chão, gemendo entranhas e costelas,/ De flancos mortos, reclamando dinheiro, perdidos/ A vermelha cortesã de seios fartos de batalhas,/ Longe do estupor de vocês, cerrará os punhos ardidos!"

Tinha o dom reconhecido, sobretudo, nos círculos literários de Paris, a capital das Belas Artes; o que não obstou que aos vinte anos deixasse de escrever e na maturidade levasse a vida como um errante na África. De poeta boêmio, que comungava com ideias socialistas/libertárias, tornou-se um negociante de armas e - possivelmente - até de escravos. O seu desencanto com as Letras talvez seja um dos maiores enigmas literários de todos os tempos. Alguns dizem que ele já havia escrito tudo que era possível escrever; outros, que ele foi viver literalmente sua poesia. Bem, ele já sinalizava para esse futuro de aventuras ainda na infância, época que contava que seria "explorador" quando crescesse. Além disso, a ideia de renúncia em Rimbaud permeia sua obra. Em "Uma Estação no Inferno" ele registra:

"Eu! eu que me acreditava mago ou anjo, fora e cima de toda a moral, acabo rendido à terra, com um cumprir, e a áspera realidade a abraçar. Campônio!".

E também, de forma profética, diz:

"Minha jornada está realizada; abandono a Europa (...) Retornarei com membros de aço, negra a epiderme, as pupilas acesas: por minha máscara julgar-me-ão de uma raça forte. Possuirei ouro: serei ocioso e brutal”.

Com efeito, a figura que retornara a França, após exílio voluntário na Etiópia, Egito, Aden etc. em nada lembrava aquele garoto de semblante angelical e cabelos longos. Desse quadro só restaram os olhos azuis pálidos. Queimado pelo sol e com aspecto doentio, ele teve que amputar a perna em função de um câncer. Após longo sofrimento, morre aos 37 anos. Seu destino trágico já havia sido traçado pelo seu ex-professor M. Pérrette, que, embora louvasse inteligência de Rimbaud, alertava que ele “acabaria mal".

A exemplo do que diz o Evangelho, Rimbaud renunciou a si mesmo. Ele, que se achava vidente, escreve enternecido: - "Porque um dia terei que partir para muito longe. Além disso, tenho que ajudar a outros: é meu dever. Ainda que isso não seja lá muito agradável”. Com perdão da comparação, lembra Cristo profetizando sua própria morte.

Enfim, esse garoto é deveras um mistério! Para podermos expressar com justiça o talento de Arthur Rimbaud, só mesmo nos servindo dos dizeres de Robert Schumann em sua recepção calorosa a Chopin:

- “Tirem os chapéus, Senhores; um gênio!".

Estevão Júnior
Enviado por Estevão Júnior em 24/11/2016
Reeditado em 25/11/2016
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