Análise Literária - "(In) Perfeição Original" por Renato Passos de Barros

“É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música". (Honoré de Balzac)

(In) Perfeição Original

Trair o parceiro ainda é tabu

Na grande maioria das culturas

Será próprio da humana criatura

Ou apenas de algum que deu chabu?

A tentação vem desde os tempos de Eva

Quando a serpente ofertou-lhe a maçã

Artimanha do ardiloso satã

Irresistível pecado primeva

Com o pecado original nasce a crença

De imperfeição elementar do humano

Como inata condição de nascença

Embora a luxúria ande sempre à volta

Ser fiel é caráter, não engano

Liberdade de amar, mas sem escolta.

(Edna Frigato)

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Análise Literária do Soneto "(In) Perfeição Original" por Renato Passos de Barros

De toda literatura frigatiana, “(In) Perfeição Original” é o mais lúcido, racional e completo soneto-dissertação (decassílabo). Esse gênero literário: o soneto-dissertação (que esta Recepção acabou de inventar) consiste em um texto poético cuja argumentação metafórica objetiva persuadir o leitor para aceitação de um determinado ponto de vista sobre um determinado assunto. O soneto em pauta aborda o tema do adultério. E - de maneira convincente, serena e convicta - elenca refinada linguagem rebuscada em prol de um discurso, ideologicamente, posicionado contra a traição.

Antes mesmo da introdução, a epígrafe balzaquiana funciona como um legitimador do discurso na belíssima metáfora: um instrumento musical para uma única música = uma pessoa amada para um único amor. A inviabilidade ou a incoerência seria o contrário: vários instrumentos musicais para um músico tocar uma única música. Até uma pessoa adúltera concorda com essa genial lógica argumentativa. Porém, nem tudo é lucidez, pois, no título do poema em questão, o “(In)” com “n” e não com “m” e entre parêntese intriga esta Análise a ponto de ficar detalhada explicação em stand-by.

E antes mesmo de começar, pleonasticamente, pelo começo, repare que todo o poema é escrito em terceira pessoa do discurso, mostrando assim, certo distanciamento de um suposto eu-lírico ou sujeito-poético, enfim, nada de pessoalidade. O discurso, na terceira pessoa, sugere a predominância da função referencial, mas compartilhada, nesse caso, com a função poética. Portanto, a terceira pessoa é uma característica típica do texto dissertativo-argumentativo, porém sem se esquecer de que se trata de uma poesia devido ao colossal corpo figurativo cuja anatomia será agora realizada.

Na primeira estrofe – introdução da dissertação – Edna Frigato apresenta o tema (adultério), explica que a traição é um tabu cultural em boa parte do mundo e joga para os parágrafos de desenvolvimento a seguinte questão antropológica: a traição é inerente ao ser humano ou uma falha de caráter ocasional? Na segunda estrofe, começa o desenvolvimento das ideias referentes ao tema. Como o próprio ENEM recomenda na Matriz de Referência de Redação, a autora se utiliza da argumentação histórica para enriquecer e legitimar seu discurso ao citar a fábula hebraica de Adão, Eva, a serpente malvada e seu fruto proibido.

Nesse momento, a poetisa recantista se utiliza de evidente ironia sarcástica ao adjetivar o bíblico episódio de “Artimanha do ardiloso satã”, retirando assim qualquer possibilidade de culpa humana da pegadinha de Jeová com suas duas primevas criaturas racionais. Vale ressaltar que a curiosidade feminina, seja na Literatura hebraica ou na Literatura grega (a caixa de Pandora), é sempre causadora de infortúnios e desgraças hiperbólicas e mundiais, mas isso é outra história. Desse argumento histórico, Edna Frigato demonstra que a traição é um assunto muito antigo.

Mas é somente na terceira estrofe que a poetisa vai usar o fio condutor da fábula bíblica para concluir sua antítese: o pecado original servirá de desculpa para fortificar a crença de que o adultério é inerente ao ser humano. Porém, como toda antítese, a argumentação é, propositalmente, raquítica e serve apenas de isca para capturar o peixe maior. A antítese então é o vírus fraco cujo propósito real é a produção de poderosos anticorpos. Portanto, no texto dialético, a antítese é o alimento da tese, já numa preparação para a síntese. Mas qual seria então a tese principal da argumentação frigatiana sobre tão polêmico assunto?

A última estrofe – o parágrafo de conclusão – Edna Frigato sentencia: “Ser fiel é caráter, não engano” apesar de a luxúria estar sempre à volta. Essa é a tese frigatiana sobre o tema! Ser fiel, enfim, é ter a oportunidade de trair e não trair. Nesse sentido, não trair é um ato vinculado e não discricionário (que só depende de conveniência e oportunidade). Resumo da ópera: a pessoa deve ser fiel por consideração, por respeito (próprio e alheio) ou, simplesmente, por caráter. E o último verso desse espetacular soneto-dissertação avisa: “Liberdade de amar, mas sem escolta”. A fidelidade não necessita de controle para existir.

“(In) Perfeição Original” é o mais original dos poemas frigatianos. Na verdade, é uma redação em forma de soneto, daí o ineditismo. Quanto ao título, a carismática poetisa, propositalmente, escolheu o “In” com “n” que, na língua inglesa, significa “no – no sentido de dentro”, transmitindo a mensagem final de que a fidelidade é uma “Perfeição Original”, contrapondo-se, frontalmente e parodicamente, à sua antítese: a traição é o “Pecado Original”. Mas, numa Recepção oral e não escrita, torna-se impossível esta distinção “In/Im”, amplificando, no título, seu potencial semiótico.

Na Literatura mundial, o adultério já foi, em alguns momentos, sucesso de público, crítica e vendas. Na imprensa marrom policial, a traição (e, na maioria das vezes, a NÃO traição) já virou rotina com final trágico. Na Literatura clássica brasileira, o olhar de ressaca de Capitu tornou-se misterioso mote para infindáveis defesas jurídicas em favor da figura feminina até então sem voz na sociedade burguesa e machista do século XIX. Edna Frigato, em “(In) Perfeição Original” escolheu outro vetor argumentativo: o poder de escolha (de ser fiel) não depende do gênero, da classe social ou do momento histórico.

Obrigado, Amor, por mais um espetacular soneto, fonte de reveladora e epifânica aula de Literatura! Mil Beijos!

RENATO PASSOS DE BARROS EM 05/11/2016

Renato de Passos Barros
Enviado por Edna Frigato em 06/11/2016
Reeditado em 06/11/2016
Código do texto: T5814554
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