ANÁLISE DO SONETO "RETICÊNCIAS E ENTRELINHAS" POR EDNA FRIGATO

reticências e entrelinhas

falo pelos cotovelos de tudo!:

da dor de cotovelo comprimido

que te dá libido e aos desinibidos

falo da anca manca dos absurdos!

e o que está tácito e subentendido

fala às paredes num silêncio mudo

no qual me calo e me faço entendido!...

grifa a parede ecos de gritos surdos!

na calada da noite, voz de calos

cala a boca de fumo e empurra o fumo

onde mais tem briga e canto de galo

escrita torta e retidão de linhas!...:

assim tenho a vida em curto resumo:

reticências no fim das entrelinhas...

30/09/2016

(RENATO PASSOS DE BARROS)

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Análise Literária do Soneto "Reticências e Entrelinhas" da

autoria de Renato Passos de Barros por Edna Frigato

Ao primeiro olhar, seu soneto se parece com um belo quadro abstrato, mas, após o segundo, estratégias semânticas, fonológicas ou sintáticas vão dando contorno às imagens, tornando-as bem delineadas e concretas. A partir delas, o leitor as identifica e seus significados começam a surgir com base na identificação da própria imagem. Eu comparo sua poesia a uma recatada deusa que, no limite da sensualidade, apenas insinua o que quer mostrar sem desnudar-se totalmente. E é nesse misterioso terreno da sensualidade que se desenvolve o belíssimo enredo do seu soneto decassílabo, genuinamente "Passos de Barros". Com a originalidade e a criatividade que comumente esbanjas em suas obras, você fez uso de vários adágios, e como um puzzle de muitas peças foi ordenando-os até que ganhassem o conteúdo poético a que você se propôs. Embora discreta, a conotação sexual já aparece no primeiro verso do primeiro quarteto quando o verbo "falar" ganha um dúbio sentido, só explicitado de forma bastante excitante no terceiro verso. "que te dá libido e aos desinibidos".

No segundo quarteto, a personificação das paredes surge de forma inteligentíssima como segunda pessoa do discurso, já que é com elas que você fala e é nela que você imprime os ecos dos seus gritos mudos: "grifa as paredes ecos de gritos mudos". Essa estrofe esplendorosa contribuiu para a confirmação de uma cena de "amor solitário” que sua retórica lírica, de forma sutil e lacônica, leva até as frestas da curiosidade voyeurística-poética do leitor. No primeiro terceto, a sensualidade alcança seu ponto máximo para, a partir de então, metamorfosear-se de erotismo. "cala a boca de fumo..." chegou-me como a confirmação da lembrança de um beijo com gosto de cigarro e "empurrar o fumo" com uma força instintiva, visceral e quase animal que, literalmente, concretiza o "ato sexual" sob os lençóis lascivos da memória. O último terceto é alusão à concretização do prazer, do gozo que aconteceu mesmo não sendo de forma convencional, ou seja: entre um casal. "escrita torta e retidão de linhas!...” de forma "torta" também se tem prazer? "Reticências no fim das entrelinhas..." é sua jogada de mestre, coloca o leitor numa sinuca de bico. É incrível, Amor, sua habilidade de deixar o leitor com água na boca na sede da dúvida! Magnífico! Aplaudo-te mais uma vez!

(Edna Frigato) em 24/10/2016

Edna Frigato
Enviado por Edna Frigato em 31/10/2016
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