A metafísica essencialista de Arthur Schopenhauer: o homem enclausurado em si e por si

Na atmosfera teórica do autor, tendo em vista uma essência íntima concatenada à condição da estabilidade da existência, o ser humano, ao contrário dos demais animais, vive em um dilemático sistema, cujo príncipe é a Vontade, que é, acima de tudo, o manancial da vida. Significando o mesmo que querer-viver, é gerida mediante estímulos – os quais, no ser humano, denominam-se motivos. Entrementes, esta relação com o “código” individual de cada homem mediante o que o autor chama de caráter, que, para ele, é inato e irrevogavelmente estável. Mas, como se dá esse interior, levando em voga a racionalidade, com a exterioridade que, como coisa-em-si, necessita, pelo desejo, tornar unilateral o querer e, por fim, subsistir?

 Qual é o preço do conhecimento?

Um conceito manipulado no seu ordenamento teórico, dir-se-ia elementar do escafandro metafísico de Schopenhauer, é o de “consciência de”. A preposição “de” não é em vão; mas, sim, uma fagulha determinante, a fim de que possamos peregrinar pelo extrínseco da coisa-em-si. De acordo com o autor, a consciência é um mecanismo que possuímos e que, para gerar pensamento, necessita se direcionar para os objetos externos, para que, destarte, possa formar impressões e, finalmente, a amalgama entre o objeto e um vocábulo. Primariamente, podemos declarar que a consciência não toma consciência de si, ou seja, o homem não toma conhecimento de si em si. Não obstante, apenas através do fenômeno externo, que é o meio pelo qual representamos o mundo e, mediante isso, atuamos nele. Agora, pode-se imaginar o motivo pelo qual o autor possui uma obra, cujo nome é O mundo como vontade e representação.

O ser humano, em virtude disso, para conhecer, possui uma relação necessária com o ato da vontade, que parte do pressuposto de “querer algo”. Todo o organismo biológico, assim como um imã, volta-se para a manutenção da espécie, ou melhor, dos mandos e desmandos da atividade ativa da natureza internalizada em si; e, para isso, é necessário um contínuo querer, pois só a partir disso que a vida se mantém. Um exemplo crasso é o querer digerir algo por causa da fome. Veja: de modo primário, partindo de um azo visceralmente animalesco, temos uma causa, que é o desejo premente de fome e, dentre tantas opções, o querer, que é o detentor da decisão, decide qual suprirá tal desejo, sendo ele um motivo. Mas, naturalmente, a fome voltará em algum momento e, mais uma vez, o querer se manterá altivo na decisão. Agora, partindo de um exemplo estigmaticamente humano, tomemos o seguinte caso: um amor latente e repentino fora aflorado, mas sem qualquer esclarecimento aos envolvidos quanto à motivação de tal ensejo. Após a reprodução, ambos os envolvidos extirpam o laço conjugal ou amoroso. Nisso, devido a tal magnitude, sentem-se estraçalhados emocionalmente por algo que denominam como “irracional”. Tamanha dor, após

um envolvimento aparentemente ímpio e consciente, demonstra a atuação da vontade na conservação do seu interesse primordial: o sopro de vida contínuo. Um azo aparentemente profano como esse evidencia e, de forma clara, explica a seguinte proposição de Schopenhauer:“A dor é positiva”. Afinal, só através dela obtemos conhecimento dos verdadeiros motivos norteadores de nossos atos. A satisfação, principalmente carnal, segue rigorosamente a causalidade da vontade, que nunca cessa. Então, para tê-lo, sempre haverá querer, que, ao ser promulgado em ato consumado, terá novos motivos externos pelos quais perscrutará volitivamente; e, como cada ato é necessário, sendo um sopro de vida para a objetividade, sendo a engrenagem da Vida para ela, terá, como fator consequente, efeitos. Pode-se comparar com um argumento lógico: das premissas, como consequência, seguir-se-á uma conclusão congruente a elas.

Nesse cenário de ordenamento causal, não haverá, portanto, livre-arbítrio, isto é, liberdade absoluta para querer; mas, sim, no máximo, ter-se-á uma liberdade parcial, tendo em vista que os seres humanos possuem o pensamento reflexivo como suporte cognitivo e, nas palavras de Schopenhauer, o próprio sofrimento. Afinal, vemo-nos inábeis diante de uma força natural que, utilizando-nos, vivifica a sua plenitude em detrimento de nossos pesares. Em consequência disso, ao pô-lo [pensamento] em voga e, com base nas premissas concludentes (motivos), conhecer-se-á, além destes, o nosso caráter, o qual manifesta a nossa essência imutável, que, por manifestações isoladas de atos de vontade, conhecemos pela experiência através do mundo fenomênico. O caráter se trata do nosso “código existencial”, que, assim como o DNA, faz-nos distintos uns dos outros. A geração de uma criança, em sua composição biológica, dá-se pela mistura de elementos dos envolvidos, que, por vezes, possuem códigos distintos: assim, seguindo a causalidade, ou melhor, princípio de necessidade, uma criatura será gerada, cujo significado para a natureza é meramente nutrir a Vida como representando um elemento da engrenagem, que é composta por vidas. Outrossim, além desse fator determinante da biologicidade, há a educação pela qual a criança perpassa. Portanto, isso explica o fato de, ao observar cada conduta, constatarmos espécimes distintas de inclinações – afinal, alguns podem ser mais honestos, por exemplo.

Um juízo moral, por conseguinte, terá uma dimensão sistêmica na composição do indivíduo. Ampliando o raio de culpabilidade, a culpa não se direcionará ao ato em si e retaliado no seu provedor; entrementes, no indivíduo enquanto ele mesmo, visto que tal ato foi uma mera representação fenomênica do que essencialmente ele é. Tratar-se-á, portanto, da existencialidade ontológica proposicional (ou assertiva) “é” – e não de um furtivo relativismo casual “é?” nada demonstrável; mas, sim, claudicado, instilando-nos a um vacilante caso hipotético impérvio e, decerto, impossível no plano objetivo da realidade. O vocábulo “é”, no atual contexto, foi atribuído a uma terminologia nocional da lógica, que é da existência de algo, reiterando a sua proeminente representatividade na nossa compreensão racional, mesmo não inculcada a algum ramo de estudo. Se algo “é?”, pode, em concomitância a outro elemento distinto, sê-lo. Não obstante, tratar-se-á de um módulo ilógico, o qual é erigido pelo princípio de contradição. Afinal, seguindo esse grau semântico, algo pode ser ou não ser no mesmo momento, o que é logicamente inconcebível.

Assim como Platão, Schopenhauer se atentou ao conceito de fenômeno (o mundo sensível); entretanto, dando-lhe uma nova roupagem semântica. Confere a ele o estatuto de via única para o conhecimento, mesmo que mordaz, do indivíduo em si – e, consequentemente, de sua condição enquanto espécie dotada de logos e suscetível à causalidade da natureza – e da realidade. Embora o diferencial, ambos dualizam a realidade, atribuindo ao pensamento uma primazia; afinal, do mesmo modo que o budismo – como a predileção schopenhauriana aduz – se fundamenta em certa dosagem asceta, quanto mais reduzida rendição a esse querer (não o extirpando devido à impossibilidade) e um direcionamento profundo a uma educação filosófica/ espiritual, mais difícil será devido ao caráter – sendo ele atribuidor das disposições intelectuais e da intensidade do regimento da vontade sobre o indivíduo, que é variável – e, em virtude disso, poucos poderão fazê-lo e, por isso, sendo algo sublime e airoso quando exitoso pelos poucos aptos. Com a capacidade racional em meio a esse umbral imperativo da vivificação da Vida – qualificativo a algo universal e superior –, ver-se-á, quando em certas condições, a mediocridade da individualidade frente a um princípio universalista de conservação da categorização da Vida em suas manifestações especificadas em espécie, isto é, da vida enquanto fenômeno da Vida, que é a verdade. Contudo, conjecturando, ao contrário do dualismo platônico, no panegírico acerca da Verdade da vida sob as caravelas da Vida, ver-se-á um desorientador marasmo em virtude de tal manutenção: cada indivíduo como meio e não fim, pois sua funcionalidade se aplica ao viver subjugado pelo querer, que é o único partícipe livre em si e por si, cuja finalidade atine à vivificação da Vida e, portanto, manifeste-se enquanto ela mesma. O animal irracional, em contrapartida, é absolutamente livre – porquanto não está fadado às paredes metafísicas, que, devido à complexidade, tornam este fadado a transcender a mera “liberdade material dos animais – e, não tendo inclinações, compõe a pureza da essência universal da natureza.

Que se segue? A vontade, sendo a coisa-em-si, impera despoticamente a partir do nosso aprisionamento a uma lei necessária e, mediante o direcionamento ao extrínseco, em virtude da consciência límpida, alimenta a sua insaciabilidade e, em contrapartida, fomenta o nosso martírio frente a impossibilidade de viver enquanto si e por si ao contemplá-la.

Referências bibliográfica:

SCHOPENHAUER, A. O livre arbítrio. São Paulo: Formar, s.a.

______. Aforismo para a sabedoria de vida. Porto Alegre: L&PM, 2014.

______. O mundo como vontade e representação. São Paulo: S.A, 1958.

Carolina Chr
Enviado por Carolina Chr em 30/03/2016
Reeditado em 04/09/2016
Código do texto: T5590006
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