Dialogismo entre as obras o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente e Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna

Introdução

O presente trabalho consiste em apresentar uma análise comparativa da obra Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente e Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que tem como foco comparar analiticamente os diálogos entre o frade e o padre, e do parvo com João Grilo, nas respectivas peças.

Para execução desse estudo escolhemos trabalhar o conceito de dialogismo, a fim de verificar nas vozes das personagens de ambas as peças as marcas dialógicas.

Para a realização deste estudo, tomamos como fundamentação teórica, portanto, o estudo de BAKHTIN (1997) em Estética da Criação Verbal, especificamente sobre o dialogismo, recorrendo ainda ao estudo crítico de RECHDAN (2003), assim como às contribuições do pesquisador SPINA (2006), no que diz respeito à obra de Gil Vicente.

A escolha da corpora não foi aleatória, pois percebemos as semelhanças entre o Auto da Barca do Inferno e Auto da Compadecida, no que se refere à funções dos personagens em relação à crítica social da época. Na peça o Auto da Compadecida podemos perceber a retomada da cultura ibérica. O escritor Ariano Suassuna retoma essa tradição; a busca pelas raízes ibéricas através do movimento armorial tendo como objetivo valorizar a cultura popular do Nordeste através dos folhetos populares, mais conhecidos como literatura de cordel. Transformando em peças teatrais, o escritor toma como referência o Auto da Barca do Inferno bem como os teatros espanhóis do século XVII, pois a crítica clerical, o cômico, a sátira e o drama são elementos fundamentais nas peças do autor (SPINA, 2006, p. 54).

Contextualização das obras

O Auto da Moralidade, mas conhecida como Auto da Barca do Inferno é a primeira parte da trilogia das barcas, de Gil Vicente, em que retrata a sociedade da época e a ambição das pessoas pelas coisas terrenas, em que é acentuado pelos personagens ao longo da narrativa. Essa primeira parte da obra só foi representada por volta de 1517- 1519. É nesse período que foi marcado o apogeu da moralidade religiosa em Gil Vicente, caracterizado assim, pela sua complexa alegoria dramática, bem como sua sátira. A história do Auto da Barca do Inferno fala sobre o julgamento das almas que ao morrerem, vem até ao purgatório, para saber qual será o seu destino. Ao chegar ao local todos os personagens se deparam com duas barcas, uma que é comandada pelo diabo, e a outra que comandado por um anjo. Toda a trama gira em torno de um cais de embarque, local este, onde é decidido o destino de cada personagem. Sem dúvida, o cenário utilizado pelo autor é uma retomada da tradição clássica Greco-latina da barca de Caronte.

É através do diálogo dos personagens que Gil Vicente constrói sua crítica social, tomando a religião como pretexto para a sátira profana.

O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, é uma peça que narra o contexto histórico do nordeste brasileiro, é baseada na tradição do teatro medieval português e se aproxima das obras de Gil Vicente, no que se refere à forma, cômico e ao tratamento. Toda a peça gira em torno das aventuras de João Grilo. No decorrer da narrativa os caracteres dos personagens vão se desenhando. A corrupção da Igreja é um dos pontos centrais da obra, uma vez que o padre e o bispo utilizam a religião como meio de tirar proveitos da população, o exemplo, trazido pelo escritor, é a missa da cachorra, em que o padre cobra para mulher do padeiro pelo enterro do animal alegando que para as obras de Deus; o bispo, pessoa de maior prestígio na Igreja, por ser o símbolo de autoridade religiosa, ao saber da situação concorda com a atitude do padre, revelando assim, o interesse financeiro, tirando proveito da situação, uma vez que também participa da negociação e fica com boa parte do dinheiro recebido.

Outro ponto importante da peça é com relação ao juízo final, a cidade foi invadida por cangaceiros e todos na cidade foram mortos, exceto Chicó, ao morrerem, todos se dirigem ao purgatório à espera pelo julgamento.

No juízo final se encontram o diabo, Jesus e Virgem Maria, todos começam a serem julgados, é nesse ínterim que percebemos os pecados cometidos por cada um dos personagens e a forte ligação com as coisas materiais.

Nesse sentido, o autor recupera a relação de dualidade entre a justiça e a misericórdia que é exposta através do contraste entre o espiritual e carnal, resgatando assim, os preceitos impostos pela Igreja desde a Idade Média, através dos diálogos dos personagens.

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Fernanda Diniz
Enviado por Fernanda Diniz em 10/02/2016
Código do texto: T5539316
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