O rabo da lagartixa

Letícia é uma lagartixa muito calma. Letícia ama meditar esticada sob a luz do sol. Ela vive na parede da casa de Lucas, um menino que ama bichos e a adotou. Todo dia, Lucas dá a Letícia uma porção de insetos que coleta em pequenos potes.

Além de brincar no quintal e no jardim caçando besouros e formigas, Lucas ainda tem uma gata chamada Lili, um cão chamado Lobo, um sagui chamado Guilherme, mas o menino o apelidou de Gui, e muitos passarinhos.

No fundo do quintal tem um galinheiro, onde mora o galo chamado Loló e algumas galinhas a quem ele não deu ainda nomes e são bem alimentadas por Lucas.

No jardim, rente ao muro, vive uma Iguana chamada Luísa que tenta conversar com a lagartixa Letícia, sempre quietinha ao sol, e só sabe balançar sua cabeça para dizer sim às indagações da amiga iguana.

Todos os bichos livres, brincam, correm, voam e são felizes com o menino Lucas que é mesmo um verdadeiro amigo da natureza e dos animais.

A lagartixa Letícia, no entanto, só sai da parede da casa do menino para subir no muro, pois quando a posição da luz solar muda, ela busca veloz o calor do sol para se aquecer já que é um réptil de sangue frio.

Um dia, inerte em seus pensamentos, nem percebeu que algo acontecera com ela quando correu assustada por causa da gata Lili que também corria atrás de um rato.

Ao abrir os olhos e virar para trás, Letícia viu que perdera seu rabo e pela primeira vez ao preocupar-se perdeu o ar calmo e saiu atrás do rato para perguntar:

—Oh! Seu rato, perdi o meu rabo. Você não o viu em algum lugar?

O rato ainda tremendo de medo por causa da corrida da gata Lili respondeu:

—Pergunte à gata Lili ela com certeza sabe onde está.

Rapidinho Letícia saiu atrás da gata Lili que lambia as patinhas após se fartar com um passarinho que andava distraído pelo jardim.

Letícia do alto muro lhe perguntou:

—Bom dia, Gata Lili. Você pode me ajudar? Perdi o meu rabo. Você não o viu em algum lugar?

A gata Lili lambendo os bigodes retrucou:

—Deve ter sido o cachorro Lobo que pegou. Ele passou latindo feito louco por aqui e me deu o maior susto. Ele com certeza sabe onde está.

Letícia agradeceu e saiu se arrastando atrás do cão que já tirava uma soneca embaixo da árvore quando foi interrompido pela voz da lagartixa Letícia.

—Bom dia, cão Lobo, o senhor pode me ajudar? Perdi o meu rabo. Você não o viu em algum lugar?

O cão com voz fatigada explicou para a lagartixa:

— Eu só saí daqui porque o Sagui aprontou comigo. Ele puxou minhas orelhas, e claro eu saí latindo. Seu rabo de lagartixa não vi, mas o sagui que ama pegar as coisas dos outros, com certeza sabe onde está.

O dia já ia alto e a lagartixa já estava perdendo a esperança, mas escalou a árvore até o galho onde o sagui estava chupando um caju. Letícia deu boa-tarde e logo perguntou:

—Olá sagui Gui. você pode me ajudar?

Perdi o meu rabo. Você não o viu em algum lugar?

O sagui fez uma careta por causa do sumo azedo do caju e respondeu:

—Eu não vi rabo algum! Desde cedo eu esperava que esse caju amadurecesse e num cochilo que dei, ele amadureceu, caiu na minha cabeça e eu quase cai do galho. Dei um pulo pra segurá-lo e não o deixar espatifar-se ao chão quando sem querer bati na cabeça do cão. E ele saiu louco latindo achando que eu puxei suas orelhas.

Minha fama é de pegar as coisas, mas seu rabo eu não vi. Não peguei.

E ainda acrescentou:

—Pode ser que as galinhas ou o galo Loló saiba, já que eles passam o dia ciscando por aí.

Letícia, a lagartixa agradeceu a explicação e pediu desculpas pelo constrangimento de achar que ele pudesse ter pegado o rabo dela e saiu desesperada ao galinheiro, já que com o sol estava quase se pondo e ela sabia que as galinhas dormem cedo.

Quando chegou ao galinheiro, Letícia, a lagartixa viu ainda umas duas galinhas ciscando um invisível grão de milho. Ou seria seu rabo?

Quis chorar, lamentando-se com o galo Loló, que lhe acalmou:

—Eu e as galinhas passamos o dia nos refastelando de milho e insetos, mas não vimos rabo algum. Pergunte à sua amiga Luísa, a Iguana. Ela vive no jardim perto do muro pode ter visto.

A lagartixa Letícia enxugou uma pequena lágrima, que não era de crocodilo, agradeceu ao galo e saiu rebolando antes que a noite caísse.

Ao chegar no jardim, Letícia teve uma surpresa. Viu que a iguana Luísa também tinha perdido o rabo e com certeza, saberia onde encontrar os dois.

—Iguana Luísa você pode me ajudar?

Perdi o meu rabo. Você o viu em algum lugar?

E retrucou ainda: —E o seu onde está?

A iguana que também não era de muita conversa fez cara de riso e explicou a Letícia que ninguém tinha pegado o rabo dela e muito menos o da lagartixa.

Luísa era um réptil bem introspectivo, e amava ler na biblioteca com o menino Lucas e sabia, tal qual como os lagartos, ela e lagartixa perdem o rabo por defesa.

Explicou ainda à lagartixa que essa é uma tática que usam para não perderem a vida, e esse fenômeno se chama Autotomia, uma estratégia espertíssima que os répteis usam em caso de perseguição.

E talvez sem perceber, enquanto tomava sol, e levou o susto do rato que correu por cima dela tenha deixado o próprio rabo cair.

Ao ouvir tudo aquilo a lagartixa Letícia ficou impressionada de como a natureza é sábia.

Mas e agora ela ficaria sem rabo?

Foi quando a Iguana Luísa convidou a lagartixa para ir até à biblioteca do menino Lucas que nas horas em que não brincava com bichos lia muitos e muitos livros.

Lá na escrivaninha da Biblioteca estavam muitos livros sobre animais e natureza, além de revistas de ciências.

O menino Lucas estava deitado no tapete sobre as almofadas lendo uma delas e ouviram Lucas ler uma notícia sobre um estudo científico publicado em uma revista que as lagartixas conseguiam regenerar partes do corpo e que a ciência fazia estudos genéticos das células e que esse processo que as lagartixas faziam, poderia também ajudar os seres humanos em casos de mutilação de membros e regeneração de órgãos.

A lagartixa Letícia sentiu-se tão orgulhosa em ser útil à Ciência que quando olhou para traz seu novo rabo vibrava, agora não mais de susto, mas sim de pura felicidade.

Paula Belmino