Tribunal do Júri no Brasil: Procedimento e Atuação do Juiz-Presidente

 

Introdução

O Tribunal do Júri, previsto no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, é uma instituição fundamental no sistema jurídico brasileiro, responsável por julgar os crimes dolosos contra a vida.

Sua origem remonta ao direito anglo-saxão, tendo sido introduzido no Brasil ainda no período imperial (NUCCI, 2021).

Ao longo dos anos, o procedimento do júri sofreu diversas alterações legislativas, com destaque para as reformas trazidas pelas Leis nº 11.689/2008 e 13.964/2019, que impactaram significativamente a atuação do juiz-presidente (PACELLI, 2020).

Este artigo tem como objetivo analisar o papel do juiz-presidente no Tribunal do Júri, considerando as mudanças trazidas pelas reformas processuais penais.

 

1. O Papel do Juiz-Presidente no Tribunal do Júri

1.1. Fase Inicial

O juiz-presidente atua desde o recebimento da denúncia ou queixa, realizando o juízo de admissibilidade e determinando a citação do acusado (art. 406, CPP). Nessa fase, ele deve verificar a presença das condições da ação penal e dos pressupostos processuais, além de analisar se a denúncia ou queixa atende aos requisitos do art. 41 do CPP (LOPES JR., 2020). Cabe ao juiz-presidente dirigir a instrução preliminar, decidir sobre a produção de provas e resolver questões incidentais (art. 407, CPP). A Lei nº 11.689/2008 trouxe importantes mudanças nessa etapa, como a possibilidade de o juiz determinar diligências para dirimir dúvida sobre a materialidade do fato ou a autoria do crime (art. 407, § 3º, CPP) (LIMA, 2021).

 

1.2. Pronúncia, Impronúncia, Absolvição Sumária e Desclassificação

Encerrada a instrução, o juiz-presidente deverá proferir uma das quatro decisões previstas no art. 413 do CPP: pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação. A pronúncia, que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, exige apenas a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade, não devendo o juiz adentrar no mérito da causa. Trata-se de um juízo de admissibilidade, e não de culpabilidade (NUCCI, 2021). A Lei nº 11.689/2008 alterou a redação do art. 413, § 1º, do CPP, determinando que a fundamentação da pronúncia deve se limitar à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, vedando a utilização de expressões que possam influenciar os jurados (PACELLI, 2020).

 

1.3. Preparação para o Julgamento em Plenário

Após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, o juiz-presidente determinará a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e do defensor para apresentarem o rol de testemunhas (art. 422, CPP). A Lei nº 11.689/2008 limitou o número de testemunhas a serem arroladas pelas partes, sendo até 5 (cinco) para cada uma (art. 422, caput, CPP) (LIMA, 2021).

O juiz-presidente também realizará o sorteio dos jurados que comporão o Conselho de Sentença (art. 433, CPP), atentando-se para as regras de impedimento e suspeição previstas nos arts. 448 e 449 do CPP (LOPES JR., 2020).

 

1.4. Julgamento em Plenário

Durante a sessão de julgamento, o juiz-presidente é responsável por conduzir os trabalhos, garantindo a ordem e a legalidade do procedimento. Ele tomará o compromisso dos jurados, interrogará o acusado, inquirirá as testemunhas e realizará os debates (arts. 472 a 475, CPP).

A Lei nº 11.689/2008 introduziu a possibilidade de os jurados formularem perguntas ao acusado e às testemunhas, por intermédio do juiz-presidente (art. 473, § 2º, CPP) (NUCCI, 2021).

Após a votação dos quesitos pelos jurados, o juiz-presidente proferirá a sentença, atendendo à decisão do Conselho de Sentença (art. 492, CPP). Caso a votação dos quesitos resulte em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, o juiz-presidente poderá, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a realização de novo julgamento (art. 593, § 3º, CPP) (PACELLI, 2020).

 

2. Jurisprudência e Casos Relevantes

Os tribunais superiores têm se manifestado sobre diversos aspectos da atuação do juiz-presidente no Tribunal do Júri. O Supremo Tribunal Federal, no HC 123.108/RS, ressaltou que a decisão de pronúncia deve se limitar a um juízo de admissibilidade, evitando adentrar no mérito da causa. Segundo o relator, Min. Dias Toffoli, "a decisão de pronúncia deve conter apenas a fundamentação necessária para justificar a admissibilidade da acusação, não podendo invadir a competência constitucional dos jurados" (BRASIL, 2015).

 

Já o Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no AREsp 1.574.935/PR, destacou a importância da imparcialidade do juiz-presidente ao conduzir a sessão de julgamento. De acordo com o relator, Min. Joel Ilan Paciornik, "o juiz presidente deve atuar de forma imparcial, evitando manifestações que possam influenciar os jurados e comprometer a independência do Conselho de Sentença" (BRASIL, 2021).

 

Outro ponto relevante abordado pela jurisprudência diz respeito à quesitação. O Supremo Tribunal Federal, no HC 178.856/SP, entendeu que a formulação de quesitos deve observar a ordem lógica prevista no art. 483 do CPP, sob pena de nulidade do julgamento. Conforme o relator, Min. Roberto Barroso, "a inobservância da ordem legal dos quesitos pode gerar prejuízo à defesa e comprometer a higidez do veredicto" (BRASIL, 2020).

 

Considerações Finais

As alterações legislativas no procedimento do júri, especialmente as trazidas pelas Leis nº 11.689/2008 e 13.964/2019, trouxeram significativos impactos na atuação do juiz-presidente, exigindo uma postura ainda mais atenta e imparcial. Desde a fase inicial até a sentença, o juiz-presidente desempenha um papel imprescindível na garantia de um julgamento justo e na preservação dos princípios constitucionais que regem o Tribunal do Júri, como a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos (CAMPOS, 2021).

 

No entanto, apesar dos avanços trazidos pelas reformas processuais penais, o procedimento do júri ainda enfrenta desafios que merecem a atenção dos operadores do direito e da sociedade como um todo. Um desses desafios é a necessidade de aprimoramento constante das práticas jurídicas, visando garantir a efetividade do procedimento e a proteção dos direitos fundamentais do acusado (LOPES JR., 2020).

 

Outro ponto de atenção é a complexidade dos casos submetidos ao Tribunal do Júri, que muitas vezes envolvem questões técnicas e científicas de difícil compreensão para os jurados leigos. Nesse contexto, o juiz-presidente assume um papel ainda mais relevante, sendo responsável por esclarecer eventuais dúvidas e garantir que a decisão do Conselho de Sentença seja fundamentada nas provas dos autos (NUCCI, 2021).

 

Além disso, é fundamental que o juiz-presidente esteja atento às garantias fundamentais do acusado, zelando pela observância do devido processo legal e evitando excessos acusatórios que possam comprometer a imparcialidade do julgamento (PACELLI, 2020). A busca pela verdade real deve ser pautada pelo respeito aos limites impostos pela Constituição Federal e pela legislação processual penal, sob pena de nulidade do procedimento (LIMA, 2021).

 

Nesse sentido, a capacitação contínua dos juízes-presidentes é medida que se impõe, a fim de que estejam preparados para lidar com as complexidades inerentes ao procedimento do júri e para garantir a efetividade dos direitos e garantias fundamentais dos acusados (CAMPOS, 2021). Essa capacitação deve abranger não apenas aspectos técnicos e jurídicos, mas também questões relacionadas à comunicação, à linguagem e à dinâmica do julgamento em plenário.

 

Por fim, é importante destacar que o fortalecimento do Tribunal do Júri como instituição democrática e essencial à administração da justiça no Brasil depende do compromisso de todos os atores envolvidos no procedimento, desde os juízes e promotores até os advogados e os próprios jurados. Somente com a participação ativa e consciente da sociedade será possível aprimorar o procedimento do júri e garantir que ele cumpra sua função constitucional de promover a justiça e a pacificação social (NUCCI, 2021).

 

Assim, conclui-se que o estudo da atuação do juiz-presidente no Tribunal do Júri é tema de grande relevância para o direito processual penal brasileiro, com impactos significativos na efetividade do procedimento e na proteção dos direitos fundamentais do acusado. As alterações legislativas recentes trouxeram avanços importantes, mas ainda há muito a ser feito para que o júri se consolide como instituição democrática e essencial à administração da justiça no país.

 

REFERÊNCIAS

Oscar Francisco Alves Junior
Enviado por Oscar Francisco Alves Junior em 09/05/2024
Reeditado em 09/05/2024
Código do texto: T8059714
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