As luzes de Alice, capítulo 2: Sondagem psíquica

 

CAPÍTULO 2

 

SONDAGEM PSÍQUICA

 

(Haverá mesmo um monstro a bordo do gigantesco satélite artificial conhecido como o "Mundo Negro"? É o que a vidente Alice Chantecler está se esforçando para convencer os dirigentes locais, Buckley e Robinson)

 

Três homens lá estavam, reunidos em torno de uma escrivaninha. Buckley com seu charuto, Robinson com uma cara dolicocéfala e apalermada e um rapaz acnento com seu cigarro.

— Eu farei tudo — dizia o último — para matar quem fez isso! Vocês têm que chamar essa mulher aqui, eu quero falar com ela!

— Ela virá - respondeu o Administrador. - Mas você acredita no que ela diz?

— Se ela puder me provar, eu acredito. Com a minha estrelinha, eu posso matar qualquer bicho que ande por aí. Vocês não podem monitorar este satélite?

— O custo de uma operação dessa natureza subirá a vários milhões de dólares...

— Que inferno! A minha namorada é morta barbaramente e vocês reduzem a coisa a uma questão de grana...

— Não nos leve a mal — ripostou Robinson.— Não há nenhuma evidência de que Miki tenha sido morta por uma criatura não-humana.

— Mas a tal clarividente não é autêntica?

— Clarividentes também têm suas fantasias.

— Pois bem, eu quero falar com ela.

Buckley esfregou o bigode e resmungou:

— Vou ver se ela pode vir.

 

 

 

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Alice cumprimentou Hilário com reserva e buscou uma cadeira.

— Eu lamento muito pelo que aconteceu.— disse ela.

O rapaz enxugou algumas lágrimas.

— Ainda não posso acreditar. Porque terão feito uma coisa dessas?

— Meu amigo — Alice passou a mão direita pelas sobrancelhas — está enganado. Isso não aconteceu no plural.

— Foi então um só o assassino, é o que você vê?

— Uma só criatura, sim. E ela atacará de novo.

— Mas porque? O que é que esse bicho quer?

— Ele é um predador.

A psicóloga Ernesta, loura de óculos e aspecto formal, que Buckley chamara para acompanhar a entrevista, interrompeu para protestar:

— O que você quer dizer? A vítima não foi devorada, foi rasgada transversalmente pelo peito e abdome...

— Ela queria se abastecer de alguma coisa. Se fizerem uma análise química do corpo, verão que uma porcentagem de alguns minerais terá sumido. Ainda não sei o que é. A visão não é fácil.

— Bem, e suponho que você não pode nos dar nem a descrição física e nem a localização desta sua criatura fabulosa?

Alice respondeu com frieza à ironia da outra mulher:

— Se me der tempo, eu localizarei a criatura. Quanto à sua forma eu venho tentando, mas os meus sentidos encontram nesse ponto uma grande obscuridade. É uma raça das sombras, entende? Ela se oculta da humanidade.

— Você não é clarividente? Prove-me os seus poderes, para que eu não a julgue uma charlatã!

— Calma, Ernesta. — disse Robinson, sem grande convicção.

— Deixe-a falar! Não pedi a sua presença! — trovejou Hilário.

— Meu jovem, compreendo a sua dor mas não é você quem está comandando as investigações. E não devemos perder tempo com fantasmas.

Alice cobriu o rosto com as mãos em palma:

— Por favor. Deixem-me tentar alguma coisa.

Fez-se algum silêncio e Alice concentrou-se em seus sentidos psíquicos. Começou a tremer, a ter pequenas convulsões.

— É algo terrível... maligno... Com pinças enormes e com asas. E tem uma voz, um zumbido. Agora sei que Miki percebeu zumbidos quase inaudíveis. Ele é um dos seres das sombras... os que são mencionados no Necronomicon... aqueles que sussurram nas trevas.

Ernesta fez um muxoxo de desprezo e toda a sua expressão queria dizer: "Coitada, é uma psico mesmo!"

Mas Hilário, na sua angústia pela perda de sua amada, aproximou-se de Alice e tocou-lhe o braço:

— Diga-me... como é que essa coisa penetrou neste satélite? E de onde veio?

— Não sei como penetrou. Mas estava simplesmente no espaço. Estes seres se deslocam pelo vácuo espacial, sem necessidade de astronaves. Entretanto, eles não são imortais. Eles podem ser mortos, sim.

— E podem haver outros?

— Não aqui. Não sinto outros aqui. O monstro estava desgarrado no espaço e se refugiou em nosso satélite.

Ernesta deu um soco na mesa.

— Ora pílulas! Tudo tem limites! Tirem essa mulher daqui, já não suporto ouvi-la!

Alice se ergueu e se aproximou da outra mulher:

— Eu não vim aqui para ouvir desaforos. Não sou uma charlatã. Eu sou uma corretora de imóveis com registro em meu conselho profissional há dez anos e não faço negócio para adivinhar coisas. Eu tenho esse dom mas não o uso para ganhar dinheiro.

— Talvez não o faça diretamente... mas isso a ajuda a conseguir fregueses, não é mesmo?

— Ora, cale a boca! — interveio Hilário.— Comandante Buckley, mande essa psicóloga se retirar, por favor. Quem perdeu a namorada fui eu!

A coisa estava nesse pé quando o chefe da segurança Otan entrou e informou:

— Desculpem entrar assim, mas é que surgiu uma nova vítima.

ROBINSON — O que?

— O que eu falei. O cozinheiro Sebastian Tombs foi encontrado caído no caldeirão, meio esquartejado! Uma cena horrível!

Alice retornou à poltrona que antes ocupava:

— Eu já falei: A coisa vai atacar. E continuará atacando, até resolver voltar ao espaço. E é pouco provável que vá logo: ela tem uma longa viagem pela frente até o sistema de Canopus e precisará se retemperar.

 

(Alice parece já ter chegado mais perto de identificar a presença misteriosa que está matando no Mundo Negro. Mas só identificar bastará? E como derrotar criatura tão poderosa? 

Em breve nesta escrivaninha, o capítulo 3:

PRESENÇA DO MAL)

 

Imagem do livro "Um sussurro nas trevas", de H.P. Lovecraft. A história que inspirou a presente novela. 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 14/05/2024
Reeditado em 22/05/2024
Código do texto: T8063012
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