BIOGRAFIA DUM "CARAMELO"

Ele nascera como nasce qualquer ser: destinado à vida.

Caramelo tratava-se duma existência algo comum e invisível, como todas que não significam grandes dividendos e holofotes, portanto nunca se soube muito sobre ele.

Era ele apenas mais um.

Todavia, era evidente que, embora não possuísse asas, Caramelo era diferente : sonhava voar terra adentro...como Ícaro certa vez sonhou.

Tinha pernas fortes, musculosas, vontade determinada e seu pés eram firmes e bem posicionados no solo minado, posto que foram projetados para cavalgar por sobre quaisquer obstáculos e adversidades , vindos eles do Homem ou da Natureza, essa bem exuberante ao seu derredor.

Mesmo nascido em belíssima terra vermelha e próspera, embora terra duma instabilidade assustadora, Caramelo certo dia tomou folego e disparou terra adentro a desafiar o seu destino.

Dizem que seguiu apenas seu instinto existencial. Precisava sobreviver.

Por onde passava escutava:

-Olha que beleza!

-Caramelo cavalga elegantemente por quaisquer obstáculos!

-Caramelo não pensa!

-Caramelo não entende!

-Caramelo é um Herói!

Embora fosse ele um ser "não pensante" aos padrões dos tempos, Caramelo tinha um dom que ninguém sabia: sentia com o torque dum coração em perene cavalgada, um que pulsava as dores de já pressentir a terra em que nascera.

Conta-se que Caramelo percorreu seu chão por toda a ROSA DOS VENTOS sempre cavalgando contra o ventos improváveis, os que o tentavam paralisar.

Pouco encontrou flores...

-Vejam, Caramelo cavalga solidariamente! Caramelo é um vencedor!

Caramelo, vez ou outra, descansava as pernas e matava sua sede de tudo às margens do Rio Doce.

Sim, Caramelo, certa vez e pela primeira vez sentiu o gosto amargo dum Rio Doce. O que teria acontecido?

Mais adiante, outra vez alguém gritou:

-Corre Caramelo!

-Foge Caramelo!

-Salve-se Caramelo!

Quando Caramelo olhou para trás, instintivamente disparou em Cavalgada, a fugir dos rejeitos em lama que, vindos doutro rompimento duma barragem de mineração, cobriam o solo e toda a bruma que descia sobre ele.

-Foge Caramelo! Fôlego Caramelo! Você está empoderado!

E foi assim...

Caramelo subiu à Amazônia e tropeçou nas crateras da Floresta; foi à Caatinga, e só e sedento, apenas suou frio; cavalgou ao Cerrado a fugir do fogo que só subia a queimar as águas; disparou à Mata Atlântica para poder respirar o fresco ar das folhas, mas apenas tossiu sufocado ; Tocou o mar onde viu peixinhos a nadar num mar de óleo escuro, muitos engasgados com o lixo plástico.

Consta que Caramelo, diante de tanta tragédia, chegou a sentir : "seria melhor ser gente, ser fauna ou ser flora?"

-Força Caramelo! Você é um Herói! Você é um vencedor!

Caramelo, exausto, um dia resolveu voltar para casa. A aventura da sofrida cavalgada o havia esgotado no corpo e no sentimento pelo seu chão.

Mas...já bem de longe, percebeu sua Terra Natal inundada. O que teria ocorrido?

Cavalgou, cavalgou, sempre a escutar até de si mesmo:

-Fôlego Caramelo! Você não pensa...mas você é um herói! Você sente!

Ao avistar sua casa quase engolida numa enchente pluvial, Caramelo correu...mas era tarde demais.

Caramelo alçou fôlego e voou para o telhado, único chão improvável que lhe sustentou até, finalmente, ser focado pelo grande holofote de visibilidade;

-Caramelo não pensa, mas Caramelo é um herói empoderado. Caramelo resiste!

-Vamos salvar o Caramelo, coitado!

Caramelo, atônito, olhava o todo trágico lá de cima do seu telhado, a perder de vistas; e então lamentou não saber voar...como os pássaros...

-Fiquei pensando como o Caramelo conseguiu...e então resolvi contar.

E foi assim que o doce e aguerrido Caramelo, depois de resgatado das altas águas dos Pampas, se tornou celebridade: único prêmio como o qual Caramelo nunca sonhou...ou sequer pensou em ser condecorado: uma medalha por apenas sentir .

Então, Caramelo, sem querer, se tornou conhecido no mundo todo.

Virou audiência de todos os holofotes...e até foi pintado em obra de arte.

Sim , Caramelo foi inclusive leiloado em arte plástica para tentar salvar o seu mundo.

Caramelo rendeu: esforço, dores e muitos, muitos entendimentos...

Afinal, a despeito de tudo, Caramelo não morreu numa praia devastada, embora poluída de tudo.

Caramelo ensinou que pensar, muitas vezes, é dispensável.

Para que pensar, Caramelo?-pensou consigo.

Entender o ininteligível, apenas por "sentir muito", é o que urge a toda a Humanidade.

-Vivas ao Caramelo!

Um Herói dos mundos, que cavalgou e sobrevoou por todos os mais improváveis chãos universais!

Mas em pouco tempo...nunca mais se ouviu falar sobre Caramelo.

Dizem que o mundo todo correu atrás de novos heróis que coubessem nas próximas inocências úteis da História.