Parecia um dia Normal

Nada como uma surpresa logo pela manhã, para deixar o dia mais emocionante.

Eu tinha acabado de chegar da academia, era por volta das 7:40h da manhã. Tomei um banho e fui me arrumar pra uma audiência às 9:30h, no Fórum do Trabalho. Nada fora da normalidade até aí...

Então resolvi ver a contestação do reclamado, só por curiosidade, porque na Justiça do Trabalho, tem a opção ao Reclamado de colocar a contestação e provas em sigilo, e esse sigilo só é retirado durante a audiência. Com isso o advogado do reclamante, no caso eu, teria que impugnar toda a contestação e provas, de forma oral durante a audiência. Acontece que, por um motivo desconhecido, não estava em sigilo.

Já fiquei animado, e fui ler a contestação, mas não durou muito tempo. O ânimo se foi logo no início da leitura, e bateu um leve desespero.

Acabara de descobrir que o meu cliente era um golpista que tinha sido preso na semana passada, e com grande repercussão na cidade. Minha sócia ficou muito nervosa quando falei pra ela. Viemos discutindo no carro possíveis teses a serem propostas em audiência.

Era uma situação bem complicada, minha sócia tentava disfarçar, sem sucesso, o nervosismo. Estava estampado em seu rosto. Eu já estava preocupado com o que ia falar com o juiz.

Como só dispunha de provas documentais, e a credibilidade do cliente estava abalada, nossas chances de sucesso no processo eram no mínimo remotas.

E o pior, eu só descobri naquele exato momento, faltando menos de uma hora pra audiência. Diante disso, não vi outra alternativa, vesti meu terno, ajustei a gravata e fomos para audiência.

Chegando lá, pensando como contornar a situação e ainda manter o bom nome com o Magistrado. Visto que a reputação é muito importante pra mim, eu posso até ser o advogado representante de um golpista, só não posso ser confundido com o criminoso. A reputação e a boa imagem são importantes em todas as situações, mas numa comarca em que existem apenas dois juízes, a imagem tem um peso bem maior. Minha sócia tinha a mesma preocupação.

Chegamos no fórum, fui direto ao banheiro, cumprimentei o juiz com um "Bom dia", que ele nem sequer me respondeu. Já começou com o pé esquerdo. Logo tive a impressão que a audiência seria tensa.

Conferi a pauta, a nossa audiência era a terceira do dia.

Conversei um pouco com o cliente do lado de fora, e não toquei no assunto do crime. Fiz as orientações normais, como se nada tivesse acontecido. Mas o orientei a aceitar um acordo, caso fosse proposto.

Chegou a hora da nossa audiência, entramos na sala e se iniciou.

O juiz perguntou se tinha possibilidade de um acordo, e rapidamente eu disse que sim, que tínhamos interesse em resolver a situação o mais breve possível e da melhor forma.

A Reclamada tentou levantar a questão da idoneidade moral do meu cliente, mas o juiz advertiu que não era o momento, que as provas seriam produzidas na Instrução, caso fosse necessário, e que aquele momento era pra saber sobre a possibilidade de um acordo.

Depois de uma rápida explicação do Magistrado, a Reclamada cedeu e ofertou um acordo.

Conversei com o cliente, e nesse momento deixei claro as reais chances que tínhamos naquele processo, e não eram boas. As cartas estavam na mesa, ele sabia de todas as possibilidades. Expliquei que era um bom acordo, e por iniciativa da minha sócia fizemos uma contraproposta.

Após uma breve análise e esclarecimento de algumas questões, a empresa aceitou pagar o pedido do meu cliente.

Sinceramente, eu não acreditava que iria conseguir qualquer proposta da empresa. Inclusive pensei em alguns argumentos para tentar salvar a causa, mas era plano de contingência, de última hora, de desespero mesmo.

O acordo foi o melhor resultado para o cliente e pra nós também.

Sempre acreditei que um mal acordo é melhor do que uma boa briga. E hoje eu vi um acordo ser feito, quando não tinha praticamente nenhuma possibilidade de ganhar o processo. Faltava credibilidade, faltava provas mais robustas e a situação estava desfavorável ao cliente.

O que não faltava era a coragem de encarar uma audiência, mesmo com poucas chances de sucesso, tendo a certeza de que não entregaria os pontos sem antes usar de todos os recursos e argumentos possíveis pra salvar a causa.

Saímos da audiência, com o cliente satisfeito. E nós também, ainda incrédulos do resultado favorável. Não conseguíamos conter a animação.

Ser advogado é isso, buscar meios e soluções, mesmo quando parece ser impossível.

Todo trabalho é digno, e sagrado.

Agora ser advogado é uma aventura diária, não é monótono. É lidar com problemas enormes, buscar e encontrar as mais diversas soluções todos os dias.

Não há nada mais gratificante do que ter a certeza de um trabalho perfeito, e um cliente satisfeito.

Abreu Lima
Enviado por Abreu Lima em 16/05/2024
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