O observador anônimo

 

Eu só queria que ela me olhasse uma vez, apenas uma vez.

 

Cada manhã, às 10h, de segunda a sexta, ela passa por aqui, neste café acolhedor. Ela desliza pela porta de vidro aberta, alheia ao mundo ao seu redor. Pede seu café preto sem açúcar e um pão na chapa, e às vezes, um docinho para acompanhar. Então, ela parte, seguindo em frente sem sequer notar minha presença.

 

É doloroso para mim, pois eu a vejo, observo-a de longe enquanto ela segue para o trabalho. Ela entra naquele majestoso prédio de vários andares, um lugar onde sei que jamais poderei adentrar. A portaria nunca me permitiria passar. Às 5h, ela sai. Antes de chamar um Uber, volta ao café, mas desta vez pede uma coca diet bem gelada e algo diferente para comer a cada dia.

 

Ela é deslumbrante, com cabelos negros reluzentes. No entanto, assim que entra no Uber, ela se vai. Eu nunca me atreveria a segui-la até sua casa. Se algum dia eu conhecer seu lar, desejo que seja porque ela me convidou.

 

Os sábados e domingos são os dias mais sombrios da semana. Nestes dias, não a vejo. Houve uma tarde de domingo em que ela apareceu com um amigo. Ele me cumprimentou, e por um instante, pensei que enfim me notaria. Mas ela passou direto.

 

Mas um dia, ela finalmente me viu.

 

Eu a esperava voltar do trabalho, como sempre, mas naquele dia estava diferente. Meu ânimo estava abatido, minha tristeza transparecia. Eu já não nutria esperanças de ser notado. Foi então que ela disse:

 

— O que houve? Você parece triste hoje. Todos os dias eu te vejo aqui e sempre está animado. O que aconteceu?

 

Ergui minha cabeça devagar, quase sem acreditar que ela estava falando comigo. Abanei meu rabinho, tentando sorrir para ela.

 

— Ah, que fofinho. Eu te deixo mais feliz? Vem comigo, vou te levar para casa e você nunca mais ficará triste.

 

E assim, minha vida teve um final feliz.