O menino que chorou pra sempre

Maio, 2024

Mãe,

O menino que chorou pra sempre, porque só sabia ser todo mundo, desobedeceu-se. Antes malcriado do que mãecriado! Nunca criado-mudo! Eu é quem mudo. Se filho é pru’mundo, (m)eu mu(n)do vai bem; mudando.

Mudo o mundo quando muto o mundo.

Mas eu, eu mesmo, não muto! Falo pouco, não muto. Invento verbo; aperto o mute da tevê; aperto o abraço e o passo; e desfaço o laço. E mudo. Quem sabe no silêncio da mudança dê pra ouvir teu coração.

Vou mudando até escutar fundo. É no compasso da compaixão que eu tento dançar o mundo. Tocar a vida. Com dedos de violonista. Vida corrida, parece que venta vazia. Embaça a vista. Escorre. Quem sabe aí longinho tudo seja devagar.

Vagar eu não vou não. Ah... mas divagar, sim! É o melhor jeito de viajar entre as sequelas siderais. As nebulosas mentais sempre foram minha nave. Isso não mudou. Já bati em muita estrela cujo brilho me marcou. Quem sabe por aí até você se bronzeou.

O fio de prata que costura o tempo é a estrada do infinito. Luto infinitamente, mas sem esquecer que não sou de ferro. Não existe menino de ouro. No universo particular de um luto nada ínfimo, luto para não cobrar dízimo na religião que você deixou. O cobrar é de cobre, e custa caro demais se custa a minha paz. Os arautos do teu legado palavrérico sobre a minha pessoa vão se esquecendo de mim-mesmo-verdade. Com a ferrugem do tempo, me reconhecem mais pelo que você um dia disse do que pela dádiva do eu-mesmo-presente. Mas eu não. Eu, mudo. Quem sabe daí dê pra escutar o meu silêncio.

Hoje tenho mais de mim mesmo do que de você. Envelheci. Mas não me esqueci de não crescer. Longe de mim desfingir a inocência. Continuo com olhinhos brilhantes de novidade e com dois-dedin-de-boca aberta para o mundo. Logo eu que esqueço quase tudo, nunca me esqueço de você. Sabia que lágrima atrapalha escrevê? Quem sabe um dia a gente se vê.

Em letras de saudade é sempre o coração que late. Mais apanha do que bate. Nessa fala-falta todo o mundo é clichê. Só-num-sabe quem se equeceu de nascê. Simples e verdadeiro como choro de criança. O menino que chorou pra sempre viaja no tempo em um segundo, te dá um beijo profundo. Na memória está, protegida de tudo que é imundo.

E aquele garoto que iria mudar o mundo, mudou.

Em algum lugar da poeira cósmica interior

@sequelasideral

sequelasideral
Enviado por sequelasideral em 06/05/2024
Código do texto: T8057412
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